|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLAUDIA ANTUNES
Estorvo para "responsáveis"
RIO DE JANEIRO - Sabe-se que a democracia é um estorvo mal tolerado
pelos mercados, pelo menos aqui do lado de baixo do equador. Bem antes
de George Soros fazer a célebre advertência -"ou Serra ou o caos"- que
antecipou o terrorismo financeiro do
final do ano passado, Pedro Malan já
insistia que os "bons fundamentos"
econômicos não deveriam ser objeto
de discussão eleitoral.
Não importa, no caso, que as políticas "corretas" tenham transitado da
irresponsabilidade com as contas internas e externas dos tempos do "real
forte" para o arrocho imposto depois
do acordo de 1998 com o FMI
-quando os mesmos que tinham
impulsionado a multiplicação da dívida pública tornaram-se "fiscalmente responsáveis" desde criancinhas a fim de melhor pagá-la.
O fato é que, com toda a incoerência de seus apologistas, a ideologia
que promove uma determinada sapiência econômica acima dos compromissos eleitorais e da necessidade
social foi adotada pelo governo do
PT, que reforçou a supremacia da
Fazenda sobre as outras áreas da administração. Afirma-se que mais arrocho era a única opção diante da
herança recebida -mas por que propor uma estátua para quem ajudou a
forjar a maldição?
Esse discurso desarticulado torna
difícil aceitar o argumento fiscal que
justifica tanto a deterioração inédita
do mercado de trabalho como medidas impopulares de discutível efeito
orçamentário, a última delas expondo aposentados ao sol e à chuva,
quando parece inevitável arcar com
o aumento de benefícios que não foram corrigidos -parte deles por esquecimento (?) dos defensores da
"responsabilidade".
A constatação de que, quanto mais
se muda, mais tudo permanece igual,
pode minar a crença na democracia,
mas, por enquanto, não há risco de
que acabe com as eleições periódicas,
seu ritual mínimo. Em países onde o
voto não é obrigatório, os que rejeitam o faz-de-conta ficam longe das
urnas. Aqui, tendem a transformar a
cédula em instrumento de vingança,
logo esterilizada.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Agora vai? Próximo Texto: Antonio Ermírio de Moraes: Juros + impostos + burocracia = informalidade Índice
|