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DE VOLTA AO FUTURO
Titã apregoava o requinte à mesa
Em 1912, financista dos EUA fez o Grand Hôtel La Plage e dizia que país carecia de hotéis e chefs chiques
DO ENVIADO ESPECIAL AO GUARUJÁ
O império de Percival Farquhar (1864-1953), quem diria,
também tinha um pezinho nas
areias do Guarujá. Esse titã das
finanças nascido em York, na
Inglaterra, e morto em Nova
York, nos EUA, foi um capitalista controvertido e globalizado, cujos interesses incluíam
estradas de ferro, mineração,
companhias geradoras de eletricidade, portos, serrarias e frigoríficos em locais tão díspares
como Brasil, EUA, Cuba, Guatemala e Rússia -país em que
negociava pessoalmente seus
interesses com o líder revolucionário soviético Lênin.
No Guarujá, Farquhar edificou, a partir de 1911, o Grand
Hôtel La Plage. Chamou o mais
prestigioso escritório construtor da época, Ramos de Azevedo, e, em 1912, inaugurou seu
luxuoso hotel, que contava com
220 apartamentos.
Filho da elite, formado em
engenharia pela universidade
de Yale e em direito em Nova
York, descendente de uma pioneira família quaker que colonizou os EUA, Farquhar dizia
que "nenhum país do mundo
pode se desenvolver sem contar com bons hotéis e cozinheiros refinados".
Foi por isso que, além de edificar um grande hotel no Guarujá, na região do atual shopping La Plage, o sagaz e polêmico empresário norte-americano -que os detratores achavam
ser um especulador ávido demais- trouxe para o Brasil o
chef parisiense Henri Galon e
inaugurou, na época, em São
Paulo, a Rotisserrie Sportsman.
Guarujá muda de mãos
A saga guarujaense de Percival Farquhar teve início quando ele adquiriu a firma Prado,
Chaves & Cia., empresa que havia planejado a cidade balneária e controlava, desde 1892, a
Companhia Balneária de Santo
Amaro, cujo acionista majoritário era o conselheiro Antônio
da Silva Prado.
Com o escopo de gerir o turismo e o cassino no balneário,
a empresa de Farquhar passou
a ser a Companhia Guarujá.
Em um ano, onde antes havia
outro hotel que pegou fogo, estava concluído o Grand Hôtel
La Plage, um imponente conjunto de quatro prédios de três
e quatro andares que, arrojado
para a época, tinha elevadores.
Todos os quartos tinham banheiras duplas com água quente e aparelhos telefônicos, novidades no início do século 20. O
pavilhão para banhistas tinha
uma centena de cabines, aparelhos suecos para fazer ginástica, canteiros ajardinados e um
pequeno zôo.
Tido por megalômano, nessa
época Farquhar era considerado o maior investidor privado
no Brasil. Como atuava em infra-estrutura, sua fortuna, é
verdade, estava ligada a créditos e concessões governamentais, como também a recursos
investidos por capitalistas e especuladores estrangeiros.
Quando a guerra nos Bálcãs
se intensificou, em 1913, e eclodiu na Europa a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o dinheiro dos financistas estrangeiros parou de chegar -e seu
império fez água. Algumas empresas pediram concordata, e
ele, que havia especulado na
bolsa com papéis sem muito
lastro, rondou a bancarrota.
Com o fim da guerra, Farquhar voltou à carga e, em 1919,
iniciou uma empresa para extração de minério de ferro em
Minas Gerais, que, encampada
em 1939 pelo governo de Getúlio Vargas, teve seus ativos desapropriados e acabou dando
origem à Cia. Vale do Rio Doce.
O empresário morreu aos 83
anos de idade e se dizia lesado
pelo governo brasileiro, de
quem se considerava credor.
O Grand Hôtel La Plage, que
há muito não era mais seu, sobreviveu mais alguns anos,
mas, decadente, foi demolido
no início dos anos 1960.
No seu lugar, surgiu o clube
da Orla, cuja piscina, herdada
do hotel, durou até que, com a
falência da Santa Paula Melhoramentos, o clube virou o shopping La Plage, apagando da memória um Guarujá que, no início do século 20, tinha perfil parecido ao de Mônaco e ao da Riviera Francesa.
(SILVIO CIOFFI)
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