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DE VOLTA AO FUTURO
Canal de Bertioga foi cenário da captura de Hans Staden
Aventureiro alemão foi primeiro artilheiro do forte de São Felipe, erguido no lado onde hoje fica o Guarujá
DA REDAÇÃO
Quando o alemão Hans Staden veio dar em São Vicente,
em 1550, após um naufrágio, o
litoral do eixo Rio-SP estava dividido entre duas tribos rivais e
seus aliados europeus.
A porção sul era dominada
pelos tupiniquins, aliados dos
portugueses. A porção norte
era dos tupinambás, aliados
dos franceses, comandados pelo lendário Cunhambebe, um
dos líderes da Confederação
dos Tamoios. E o ponto de tensão entre os inimigos era o canal de Bertioga, usado pelos tupinambás para penetrar na
área tupiniquim.
Em sua segunda viagem ao
Brasil, Staden veio com a expedição do espanhol Diogo de Sanabria. Mesmo assim, o aventureiro, que tinha experiência
como artilheiro e arcabuzeiro,
foi convidado pelos portugueses a defender o canal de Bertioga, como o primeiro artilheiro do forte de São Felipe, no lado do Guarujá. Ele foi substituído pelo forte de São Luiz, cujas ruínas foram engolidas pelo
mato.
Foi na ponta da ilha de Santo
Amaro que teve início a aventura depois relatada por Staden
em um livro que logo se tornou
um sucesso de vendas na Europa, até hoje considerado por estudiosos uma das principais
fontes de informação sobre o
ritual antropofágico dos índios
brasileiros. Ele foi capturado
pelos tupinambás, que o mantiveram cativo por nove meses.
Staden escapou de virar
churrasco com a ajuda de Deus,
segundo ele mesmo, ou por
conta do excesso de lamento
em suas preces, o que teria sido
entendido como covardia pelos
tupinambás e desencorajado o
ritual canibalístico, que tinha
por fim absorver a bravura do
inimigo, segundo versão extra-oficial um tanto popular.
Aparte suas desventuras em
terras brasileiras, pouco sabemos sobre a vida de Staden. As
datas de nascimento e de morte
são registradas, respectivamente, como por volta de 1525
e de 1579. Nascido em Homberg, na Alemanha, se estabeleceu em Marburgo após suas
viagens ao Brasil, onde, segundo Eckhard Kupfer, diretor do
Instituto Martius-Staden, tornou-se fabricante de pólvora.
Segundo pesquisa feita nos
arquivos da cidade por Kupfer,
há só quatro documentos sobre
Staden: cartas pedindo ajuda ao
duque, uma fatura e um documento que o acusava de ser um
mau pagador. Aparentemente,
Staden escapou dos tupinambás, mas não dos credores.
A narração das duas viagens
de Staden ao Brasil foi publicada pela primeira vez em Marburgo, na Alemanha, em 1557.
O relato sobre selvagens comedores de gente logo se tornou
um sucesso, sendo publicada
em outros países europeus. A
primeira tradução para o português foi feita apenas em 1892,
por Tristão de Alencar Araripe.
Mas foi com as adaptações de
Monteiro Lobato, publicadas
em 1925 e 1927, que a história
se popularizou, recebendo diversas edições desde então.
É possível que o relato de Staden tenha influenciado a criação do movimento antropofágico, lançado por Oswald de
Andrade com seu "Manifesto
Antropófago", em 1928. Segundo o poeta Raul Bopp, no livro
"Movimentos Modernistas no
Brasil: 1922/1928" (ed. São José, 1966), em um jantar seminal
para o movimento, no qual estavam Oswald e sua mulher, a
pintora Tarsila do Amaral, "o
velho Staden" foi citado. Tarsila, em depoimento, não menciona o episódio.
A publicação mais recente do
livro de Staden no Brasil é a edição "Duas Viagens ao Brasil",
da L&PM, lançada em fevereiro.
(MARINA DELLA VALLE)
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