Policiamento
comunitário é apontado por moradores como marco
do início da paz na favela do morro do Cavalão,
em Niterói
Terreno de batalhão da
Polícia Militar abriga posto odontológico, palco
para apresentações de artistas e espaço
para grafitagem
São 16h30 e as crianças correm para abraçar
as mães na saída da creche comunitária
Irmã Catarina. Sem pressa, a conversa continua no banco
da praça. O anoitecer é o aviso para que famílias
voltem para casa, mas não como um toque de recolher.
É preciso se arrumar para voltar à rua para
a festa à noite. É sexta-feira na favela do
morro do Cavalão, em Niterói.
Próximo de completar quatro anos sem tiroteios, a violência
na porta de casa não é mais assunto recorrente
no morro do Cavalão, que já foi reduto do Comando
Vermelho. A noite não corre mais sob ameaça,
seja da polícia ou de traficantes.
Moradores apontam como marco da mudança a instalação
de um batalhão do Gpae (Grupamento de Policiamento
em Áreas Especiais), em dezembro de 2002. "A noite
é mais movimentada que o dia. Sexta-feira, então,
esse campo aqui fica cheio", conta o estudante João
Rafael de Souza, 18.
Apesar da tranqüilidade incomum em relação
às outras favelas, o fim dos tiroteios não quer
dizer que a criminalidade cessou. O presidente da associação
de moradores, Marcos da Conceição, assume que,
apesar de o policiamento ter extinguido as bocas-de-fumo e
a exibição de armas pesadas, o tráfico
ainda persiste no local.
"Se disser [que o tráfico] terminou, vou estar
mentindo. Mas onde não tem?", diz.
O Gpae efetuou mais de 200 prisões desde o início
da atuação no local. "A criminalidade existe
em qualquer lugar. Uma das funções do Gpae é
combatê-la", diz o comandante do Gpae do local,
capitão Felipe Gonçalves Romeu, 32.
Apesar desses incidentes, a favela é apontada por líderes
comunitários do Rio como um modelo de sucesso do que
eles vêm pedindo em reunião com autoridades do
governo estadual: fim da troca de tiros entre polícia
e traficantes para evitar mais vítimas de balas perdidas,
com política de policiamento comunitário, acompanhada
de projetos sociais e urbanização.
Além do policiamento, o capitão Romeu tem se
preocupado com outro expediente: a busca de projetos sociais
na favela. "A comunidade confia na gente. O morador de
bem sabe que estamos aqui para ajudar."
Para integrar-se à comunidade, a polícia abriu
suas portas: o terreno do batalhão abriga um posto
odontológico e, periodicamente, recebe um palco para
apresentações de artistas na comunidade. No
muro, grafites em alusão ao morro e à presença
da PM no local.
Nem sempre foi assim. A implantação do Gpae
ocorreu após acusações a policiais de
terem torturado até a morte o ajudante de pedreiro
Francisco Aldir de Souza, 18, em
2002."Foi preciso um ano, com algumas trocas de tiros,
para retirarmos a bandidagem de lá", reconhece
Romeu.
Sem polícia, urbanização
não reduziu crime
Os investimentos no morro do Cavalão chegaram bem antes
do batalhão do Gpae (Grupamento de Policiamento em
Áreas Especiais). Em 1992, a favela recebeu asfaltamento
de ruas e rede de água e esgoto.
Após dez anos, ocorreu a implantação
do Gpae. Foi quando projetos sociais começaram a subir
o morro e serviços públicos passaram a ser mais
efetivos.
Porém, a experiência do Gpae não obteve
o mesmo sucesso em outras áreas. "Se for um morro
relativamente tranqüilo, mais pacato, provinciano e isolado
de outras favelas, há mais chance de sucesso",
afirma o tenente-coronel Jorge Braga.
O morro da Formiga, atendido pelo Gpae do 6º BPM, por
exemplo, não oferece nem a urbanização
nem o isolamento comentados por Braga.
Italo Nogueira
Folha de S.Paulo
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