Uma dissertação
de mestrado ou uma tese de doutorado de 150 páginas pode ser
comprada por R$ 2.000 em empresas especializadas. O prazo
de entrega varia de um a dois meses. O negócio se profissionalizou
de tal forma que a qualidade das monografias, teses e dissertações
feitas sob encomenda é reconhecida pelas bancas examinadoras
de instituições famosas pela produção intelectual qualificada.
Um dos profissionais entrevistados pela Folha vendeu uma dissertação
na área de economia, aprovada pela Fundação Getúlio Vargas,
no Rio, e uma na de literatura, que será defendida em breve
perante uma banca da Universidade de São Paulo (USP).
O autor dos trabalhos é R. M., 36, mestre, doutor e professor
de filosofia de uma importante universidade carioca. Ele afirmou
que a empresa para a qual presta serviços de "pesquisador"
é uma pequena indústria que chega a produzir teses de doutorado
até na área de medicina.
"O baixo nível de exigência da universidade brasileira abriu
esse mercado, que permite que pessoas sem qualquer intimidade
com um determinado assunto, mas que saibam organizar informações,
possam fazer teses e dissertações para vender", diz R. M.,
para quem trabalhos acadêmicos podem ser feitos mecanicamente,
contando com a indiferença de professores universitários.
Nos classificados dos principais jornais do Rio e na internet
há dezenas de empresas oferecendo esses serviços. Foi dessa
forma que professores universitários ouvidos pela Folha disseram
ter constatado a existência desse mercado, apesar de nunca
terem registrado casos semelhantes em seus departamentos.
"A oferta é tão explícita que é quase uma pressão sobre os
alunos", diz Cláudia Márcia da Rocha, professora do departamento
de letras vernáculas da faculdade de letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Tenho 37 anos de magistério
e nunca imaginei que veria esse tipo de coisa ser feita abertamente."
"Erudição balofa"
Liliana Cabral Bastos, coordenadora do programa de pós-graduação
de letras da PUC-RJ, acha que vendedores de teses aproveitam-se
de falhas das instituições.
Segundo R.M., que produz trabalhos acadêmicos sob encomenda
há um ano, qualquer pessoa que saiba organizar informações
e escrever bem pode elaborar um trabalho padrão a partir da
pesquisa e da bibliografia entregues por quem faz a encomenda.
"É o que eu chamo de erudição balofa: muitas citações, costuradas
com os parágrafos chavões da academia, naquele indefectível
estilo impessoal da terceira pessoa." A falta de originalidade
dos trabalhos pode, sim, servir de estímulo a esse mercado,
conta Herli Menezes, professor de metodologia do ensino de
ciências na Faculdade de Educação da UFRJ. Ele acha que a
padronização do texto acadêmico beneficia essa fraude.
Insegurança e falta de tempo
Profissionais e estudantes entrevistados pela Folha afirmam
que a compra e a venda dos trabalhos são estimuladas por falta
de tempo, insegurança e pouco interesse por pesquisa. O advogado
C.B., 27, do Espírito Santo, comprou a monografia com a qual
se formou em direito na Universidade Salgado de Oliveira,
de Campos (RJ).
Pagou R$ 50 pelo projeto de pesquisa e R$ 200 pela monografia.
Quem vendeu foi uma colega da própria faculdade, que estava
um período à frente.
O advogado disse que encomendou a monografia porque, na época,
estava mais preocupado em estudar para as provas finais.
"Sabia que não conseguiria conciliar as duas coisas e que
a monografia não me traria qualquer retorno." O trabalho,
somado com a apresentação diante da banca, foi aprovado. C.
B. ainda vendeu a mesma monografia por R$ 200 para dois outros
estudantes.
Banca mais exigente
Para evitar que alunos apresentem trabalhos comprados, a saída
é formar bancas qualificadas para avaliar a apresentação,
segundo Marcelo Milano Vieira, professor de estudos organizacionais
da Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas
da Fundação Getúlio Vargas.
"Basta a banca fazer perguntas específicas sobre a coleta
dos dados e a origem das informações usadas em dissertações
e teses.
" Como os trabalhos feitos sob encomenda seguem um formato
padrão aceito nas universidades, Vieira diz que a banca pode
descobrir a fraude formulando perguntas fora do modelo determinado.
Ele atribui o crescimento da compra de trabalhos de pós-graduação
a profissionais sem interesse ou condições intelectuais para
fazer mestrado ou doutorado, mas que são pressionados pelas
empresas a obter um título. "São executivos que só querem
o certificado e, para isso, buscam trabalhos sob encomenda.
" O número reduzido de professores e a grande quantidade de
pós-graduandos agravam o problema, opina a professora Cláudia
Márcia da Rocha, da UFRJ. "Há turmas de mestrado com 40 alunos.
Não há como dar conta de todos", avalia Rocha. Ele conta ainda
que um amigo, professor da Coppe (Coordenação dos Programas
de Pós-Graduação de Engenharia), cobra dos alunos que produzam
textos em aula, para evitar problemas como plágio ou compra
de trabalho.
BRUNO GARSCHAGEN
da Foha de S.Paulo
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