Projeto
deve propor criação de conselho, formado pelo
governo, por trabalhadores e por empresários, que decidirá
sobre verbas
Mantidas com contribuições cobradas sobre
a folha de pagamento das empresas, entidades do Sistema S
têm hoje liberdade para investir
O governo quer criar um conselho consultivo tripartite -Executivo,
trabalhadores e empresários- para definir as regras
de aplicação dos recursos destinados à
formação de trabalhadores pelo Sistema S.
A medida está prevista em uma minuta de projeto de
lei elaborada pelos ministérios do Trabalho e da Educação
com mudanças no sistema.
A Folha teve acesso ao texto do projeto,
que define ainda que os ministros das duas pastas exercerão,
alternadamente, a presidência do conselho em mandatos
de dois anos. O conselho também terá como atribuição
avaliar os resultados do fundo nacional que será instituído
para distribuir entre as unidades do Sistema S o dinheiro
para os cursos de treinamento do trabalhador.
Na prática, as alterações retirarão
das entidades o poder de decidir como aplicar os recursos
em aprendizagem e submeterá os serviços a critérios
de avaliação e fiscalização. Nos
últimos anos, todas as tentativas de alterar o Sistema
S encontraram resistência das confederações
empresariais.
O Sistema S começou a ser formado nos anos 40 e reúne
um conjunto de entidades privadas ligadas à indústria
(Senai e Sesi), ao comércio (Sesc e Senac) e à
agricultura (Senar), entre outros setores, para prestar serviços
sociais e de formação profissional.
Embora sejam mantidas com recursos de natureza tributária
-contribuições cobradas sobre a folha de pagamento
das empresas-, essas entidades são livres para investir
nas atividades sociais e de aprendizagem. Isso já motivou
várias acusações de que as contas das
entidades são uma espécie de "caixa-preta".
Para este ano, a estimativa de arrecadação do
Sistema S é de R$ 8 bilhões com o recolhimento
de 2,5% sobre a folha.
Transparência
Há duas semanas, os ministros da Educação,
Fernando Haddad, e do Trabalho, Carlos Lupi, anunciaram a
intenção do governo federal de disciplinar a
aplicação de parcela desses recursos. O governo
afirma que faltam ao sistema atual transparência e critérios
para atendimento dos trabalhadores. Além disso, muitos
cursos têm curta duração e não
são gratuitos.
De forma cautelosa e sem detalhes, os ministros afirmaram
que a proposta é direcionar a receita da alíquota
de 1,5% para o treinamento de trabalhadores. Assim, cerca
de R$ 5 bilhões por ano passariam a integrar um fundo
nacional. Para o restante das verbas, as entidades manteriam
sua autonomia nos gastos em serviços sociais.
Urgência
A Folha apurou que estão avançadas
as discussões sobre o assunto. Uma minuta já
foi apresentada aos líderes sindicais e das confederações
empresariais, e existe a intenção de enviar
o projeto ao Congresso Nacional com pedido de tramitação
em regime de urgência constitucional.
O texto prevê que, para cada Serviço Nacional
de Aprendizagem, será criado um Funtep (Fundo Nacional
de Formação Técnica e Profissional).
A fiscalização da "legalidade, legitimidade,
economicidade e eficiência" na aplicação
dos recursos será realizada pelos órgãos
de controle da União e pelos conselhos fiscais do Sistema
S.
O dinheiro será repassado para os fundos pelos bancos
oficiais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil),
que deverão colocar à disposição
dos órgãos de controle, permanentemente, os
extratos bancários das contas dos fundos.
Juliana Sofia
Folha de S.Paulo
Mais ensino técnico
Projeto do MEC pretende induzir ampliação
de vagas no sistema S para formação profissional,
gargalo do crescimento
O chamado sistema S, composto pelos serviços sociais
e de aprendizagem ligados a confederações setoriais,
goza de merecido prestígio na sociedade. A face mais
visível de sua contribuição se apresenta
na política cultural, com o Sesc (Serviço Social
do Comércio) à frente. Na aprendizagem técnica,
porém, a estrutura pode ser mais bem ajustada às
necessidades do país.
Chegou a tal ponto o gargalo nacional da mão-de-obra
qualificada que empresas brasileiras articuladas com o mercado
global já começam a recrutar no exterior. Os
serviços nacionais de aprendizagem -Senai (indústria),
Senac (comércio), Senar (setor rural), Senat (transportes)
e Sescoop (cooperativismo)- deveriam dar uma ajuda substancial
para desfazer esse nó.
O sistema S arrecada de empresas R$ 8 bilhões por ano,
ou 2,5% da folha de pagamento dos respectivos setores. Cerca
de R$ 3,2 bilhões (40%) são destinados à
formação profissional; o restante (R$ 4,8 bilhões)
vai para serviço social. O ministro da Educação,
Fernando Haddad, propõe um modelo de financiamento
para inverter tal relação e induzir a criação
de até 2 milhões de vagas de ensino técnico.
Dentro de poucas semanas a idéia poderá materializar-se
num projeto de lei para instituir cinco Fundos Nacionais de
Formação Técnica e Profissional (Funtep),
um para cada setor. Eles passariam a receber 60% daquela dotação,
ou R$ 4,8 bilhões. Além disso, as entidades
do sistema S seriam obrigadas por lei a destinar estes recursos
à formação profissional em bases diversas
das atuais.
Todas as vagas teriam de ser gratuitas e ocupadas por estudantes
da rede pública ou bolsistas (não pagantes)
da particular. Em lugar de cursos de curta duração,
como os que hoje predominam, os serviços teriam de
oferecer, de modo prioritário, currículos que
complementassem os três anos regulares de ensino médio
com um ano a mais, dedicado à formação
técnica.
A grande inovação em exame pelo governo residiria
no critério de distribuição dos recursos.
Hoje os departamentos regionais dos cinco serviços
recebem uma verba proporcional à arrecadação
de sua base e a despendem como julgam melhor. Se vingar a
proposta do MEC, pelo menos 80% dos R$ 4,8 bilhões
projetados por ano seriam repassados de modo proporcional
ao número de vagas gratuitas oferecidas.
O dispositivo, engenhoso, introduziria um elemento de competição
hoje ausente. O serviço que conseguisse reduzir seus
custos e aumentar a quantidade de alunos atendidos faria jus
a uma parcela maior do fundo.
Na concepção de Haddad, o sistema de aprendizagem
ganharia transparência. Tanto o custo por aluno quanto
a avaliação da qualidade do ensino técnico
oferecido seriam divulgados periodicamente. Haveria um ganho
considerável para o sistema S.
A idéia passa ao largo da tentação sempre
presente no governo de apropriar-se de recursos alheios para
desperdiçá-los na reestatização
de atividades que são mais eficientes se realizadas
por organizações sociais. Cabe ao poder público
apenas dar-lhes diretrizes claras e cobrar resultados -e o
projeto dos Funteps aponta nessa direção
Editorial
Folha de S.Paulo
Áudio dos comentários
|