Autora do livro "A Nation
of Wimps", a jornalista norte-americana Hara Estroff
Marano investiga a ascensão da "paternidade invasiva"
entre a classe média nos EUA e seus frutos: crianças
exageradamente complacentes e que não sabem lidar com
seus fracassos
De manhã, colégio. De
tarde, aulas de inglês, computação, ginástica.
Essa pode ser a rotina normal de uma criança ou adolescente
de classe média.
Adicione a esse cardápio cursos extracurriculares,
como mandarim, horas de estudo intensivo com professores especializados
em exames de admissão das mais importantes universidades
dos Estados Unidos e, se houver tempo livre, sessões
de CDs e DVDs didáticos. Não há espaço
para problemas nem notas baixas -está completa a agenda
da criança vítima do "overparenting".
O termo em inglês corresponde a procedimentos de "paternidade
excessiva" ou "invasiva" e é um fenômeno
que vem se manifestando com vigor -alimentado por uma indústria
de produtos educativos destinados a formar gênios desde
os primeiros meses de vida- em meio às famílias
abastadas dos EUA. Tem como causas tanto fatores de ordem
global -as incertezas do panorama econômico mundial,
que exige profissionais cada vez mais capacitados- quanto
debilidades individuais: por exemplo, pais superprotetores
e ambiciosos, em busca de realização pessoal
por meio dos filhos, e outros que almejam simplesmente estar
convencidos de que seus rebentos são melhores do que
os do vizinho.
A análise é de Hara Estroff Marano, autora de
"A Nation of Wimps: The High Cost of Invasive Parenting"
(Uma Nação de Fracos: O Alto Custo da Paternidade
Invasiva). Uma das editoras da revista "Psychology Today",
a jornalista, que também escreveu em publicações
como "The New York Times" e "USA Today",
investiga de que forma o excesso de preparação
acadêmica e a preocupação em poupar os
filhos dos mais elementares problemas cotidianos levam a uma
geração de pessoas "exageradamente complacentes,
sem resiliência, sem desembaraço, que se ofendem
facilmente e que têm pouca perseverança e tolerância
para atingir objetivos", diz.
Mãe de dois adultos, Marano conversou com a Folha sobre
o novo "patamar de devoção" aos filhos
e os objetivos de seu livro. "Estou preocupada com o
futuro. Nenhuma democracia pode prosperar com indivíduos
condescendentes, e nenhuma economia pode avançar sem
inovação e sem que se assumam riscos".
FOLHA - Que experiência específica a levou a
escrever o livro?
HARA ESTROFF MARANO - Em 2002, escrevi uma reportagem sobre
o fato de as universidades procurarem em níveis extremamente
altos serviços psicológicos e psiquiátricos
devido ao aumento do número de estudantes com profunda
depressão e desordens de ansiedade que incluíam
ataques de pânico, automutilação, disfunções
alimentares, excesso no consumo de álcool e suas consequências.
Comecei a perguntar o porquê. Todo mundo dizia a mesma
coisa: os estudantes não tinham nenhuma habilidade
para lidar com problemas e, portanto, eram facilmente atingidos
por qualquer dificuldade ou desafio. E por quê? Porque
seus pais haviam feito tudo por eles. Buscaram tão
ansiosamente o sucesso de seus filhos que pairaram sobre eles
todo o tempo e lhes eliminaram as pequenas agruras da vida.
Se, por exemplo, eles esquecessem um livro em casa, os pais
levariam o material correndo para a escola. Se a criança
obtivesse uma nota que decepcionasse os pais, eles telefonariam
para a escola para tentar mudar a má avaliação.
Foi assim que eu descobri o que chamo de "paternidade
invasiva". E decidi escrever sobre isso porque estou
preocupada com o futuro de nossa sociedade, em que estamos
alimentando a fragilidade psicológica em nossos filhos.
FOLHA - Qual a diferença
entre os filhos dos atuais "pais invasivos" e a
criança mimada de décadas atrás?
MARANO - As crianças mimadas, em tese, têm tudo
o que querem. As crianças que têm pais invasivos
estão sob superproteção porque é
isso o que os pais delas querem. Não se permite às
crianças dar passos importantes porque seus pais fazem
as coisas por elas, lhes limpam o caminho. Esses pais trabalham
para que seus filhos sejam bem-sucedidos porque a percepção
subjetiva do pai repousa nos êxitos do filho. Há
estudos que mostram que estimular os filhos sem parar é
percebido pelas crianças como uma exigência de
perfeição.
FOLHA - Na Ásia, é
comum a existência de crianças treinadas de modo
exaustivo para que sejam excelentes em uma atividade específica.
Qual é a diferença entre essa prática
e a paternidade invasiva ocidental?
MARANO - Uma delas é que as crianças asiáticas
são elogiadas por trabalhar duro. Quando as crianças
norte-americanas se sobressaem, elas são tratadas como
"brilhantes", "talentosas", "espertas",
"atletas naturais". A diferença no tipo de
elogio que elas recebem é importante. O reconhecimento
que vem por parte dos pais ocidentais é dado para que
se projete sobre os próprios pais, mas, mais importante,
seus filhos terminam pensando que há um reservatório
de talento neles. O problema é que, quando essas crianças
alcançam um certo nível de dificuldade ou desafios,
desistem, porque acham que não são mais inteligentes.
São crianças avessas ao risco e que preferem
o certo ao duvidoso.
FOLHA - O "overparenting"
se deve mais ao contexto externo (aumento da competitividade
no mercado de trabalho etc.) ou à necessidade dos pais
de ter filhos que possam satisfazer suas ambições?
MARANO - É uma combinação das duas coisas.
O ponto central é que os pais estão usando os
filhos para atingir suas próprias necessidades emocionais.
Isso é extremamente narcisista. Ao mesmo tempo, quando
você analisa de onde vem toda essa ansiedade paterna,
você vê que sua origem está na percepção
que pais e mães têm de que o mundo mudou, de
que agora vivemos em um mercado global e tudo é muito
rápido e dinâmico. Há muito mais incerteza
ou, pelo menos, há a percepção de que
tudo é muito mais incerto. É obrigação
de todo pai e toda mãe preparar seus filhos tão
bem quanto possam para a vida. Mas alguns fracassos são
importantes porque nós aprendemos mais com eles do
que com o sucesso.
FOLHA - Que tipo de pais tendem
a ser invasivos?
MARANO - Os pais que apresentam esse comportamento são
muito conformistas, não confiam em suas habilidades
como educadores e são muito críticos em relação
a outros pais. Um exemplo: hoje em dia não é
mais suficiente que um pai vá ver seu filho jogar futebol;
ele tem de comparecer a todos os treinos. E, se você
não fizer isso, é considerado um pai ou uma
mãe negligente. O julgamento de outros pais é
algo novo e ajuda a fortalecer a rápida disseminação
desse tipo de paternidade como o novo padrão de devoção
a seu filho.