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Pessoal: concernente ou peculiar a uma só pessoa; individual,
particular. Personalizado: alterado segundo especificações
fornecidas pelo usuário; feito segundo o gosto do freguês.
"Personal": não consta nos dicionários da língua portuguesa,
mas já entrou na vida de muita gente. Atende, por quantias
variadas, às definições acima.
Seguido de uma especificação da atividade-fim (comer, malhar,
dançar), "personal" virou sinônimo de algo situado entre profissão
e serviço -conforme o ponto de vista de quem oferece o produto
ou de quem usufrui dele.
Mas ninguém precisa recorrer ao dicionário para encontrar
um "personal". "Hoje, eles são legião", diz o filósofo Mario
Sergio Cortella, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo). Podem ser encontrados no seu quarto, arrumando
suas roupas íntimas, na sua cozinha, organizando sua despensa,
ou até na sua festa, dançando com uma amiga sua.
"Personal dancer" há cinco anos, o dançarino e coreógrafo
Kaká Maia, 24, oferece mais do que as tradicionais aulas particulares.
"A aluna quer sair para dançar, praticar o que aprendeu nas
aulas e me contrata", diz. Quem busca o serviço não está necessariamente
sem parceiro. "São pessoas que até têm ou conseguem parceiros.
Mas é diferente, elas querem alguém que seja profissional",
diz Kaká.
É a vida com certificado de qualidade. "Hoje, é preciso ser
tudo perfeito, ninguém mais aceita ser imperfeito, você tem
de ser o supra-sumo em tudo o que faz", acredita a psicanalista
Suely Gevertz, da SBP-SP (Sociedade Brasileira de Psicanálise).
Não basta comer bem, por exemplo, é preciso ser gourmet. Se
não há tempo para dedicar-se ao aprendizado das técnicas culinárias
e descobrir os mistérios dos sabores, um "personal chef" resolve
o problema. E o contratante não precisa nem estar presente.
"Eu vou na casa da pessoa, crio cardápios, ensino a empregada
a fazer, organizo o freezer, tudo", conta a "personal chef"
Debora Cordeiro, 31.
A preocupação com a alimentação também abriu espaço para a
"personal dieter", a profissional que vai até a casa dos clientes
-muitas vezes, famílias inteiras- ensiná-los a comer. A nutricionista
Madalenna Vallinoti, 41, além de reestruturar o cardápio da
casa, ensina à empregada doméstica a forma de preparar os
alimentos, faz a lista de compras e costuma acompanhar a primeira
ida ao supermercado. A cada quinze dias, ela volta à casa
do cliente para checar se tudo está sendo seguido à risca.
Em famílias com crianças, é comum as mães pedirem à "personal
dieter" que ensine seus filhos a comer de forma saudável.
"Elas acham que é mais fácil eles ouvirem uma terceira pessoa
do que a mãe", acredita Madalenna.
A busca de perfeição, ou de auto-superação, é inerente ao
ser humano, que sempre quer cobrir seus limites. "Como o indivíduo
não pode ter tudo dentro dele, procura no outro aquilo que
lhe falta", diz Armando Colognese, professor de formação em
psicanálise do Instituto Sapientae, de São Paulo.
E, a cada dia, surgem mais "lacunas" pessoais a serem preenchidas.
"Hoje a informação circula em tal velocidade que as pessoas
precisam de alguém para agilizar seu tempo, cada vez mais
curto", diz o psicanalista.
O "personal qualquer coisa" atende a essa demanda. Para Cortella,
ele corresponde a um terceirizado da vida cotidiana e segue
a lógica do mercado. "Se o foco é na atividade-fim, é preciso
liberar-se das atividades-meio. Isso chegou ao mundo das pessoas.
Nesse, a finalidade última é aproveitar a vida." O tempo para
isso é obtido delegando-se uma série de atividades cotidianas
a prestadores de serviço. "Quem pode terceiriza o que considera
chato na vida. Arrumar armário, por exemplo", diz Gevertz.
O artista plástico Gustavo Rosa, 58, é um dos que contratam
um "personal" para resolver "aquelas coisas desagradáveis
que a gente não tem tempo de fazer". Ele foi um dos primeiros
clientes da Help Home, empresa criada em 1993 pela ex-executiva
do mercado financeiro Laura Bortolai, 49.
Quando iniciou a prestação desses serviços, ela pensou na
mulher que trabalhava fora o dia todo e não tinha tempo de
ter uma vida organizada.Para sua surpresa, no entanto, começou
a receber muitos clientes do sexo masculino. "São filhos de
famílias ricas que vão morar sozinhos, homens separados que
precisam receber os filhos no fim de semana ou preparar um
jantar para a namorada. Alguns clientes me chamam só para
arrumar mala ou para comprar presentes", conta Laura.
Compras
Pois mesmo para fazer compras, atividade raramente considerada
chata, há um "personal". Thaiz Albiero, 27, "personal shopper"
do L'Hotel, em São Paulo, não apenas leva hóspedes às lojas
como também faz as compras por eles. "Se ele quer dar uma
lembrança da viagem para o filho, ele me diz a idade e do
que a criança gosta e eu vou procurar o presente nas lojas.
Mostro o que comprei e, se ele gostar, faço um pacote lindo
e ponho na mala."
Sem dúvida, é um serviço para poucos. O "personal", em geral,
é um profissional que não cobra pouco. Para o sociólogo Ricardo
Antunes, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a
profissão surgiu por causa de mudanças profundas no mundo
do trabalho que aumentaram o número de profissionais qualificados
não absorvidos pelo mercado formal. A saída é procurar trabalho
no espaço da vida privada, no qual "quem tem padrão socioeconômico
para recorrer a esses serviços o faz", acredita Antunes.
Os preços seguem a lei da oferta e da procura. As áreas que
são mais concorridas costumam ter um maior número de "personals"
à disposição e, em conseqüência, uma faixa de preços mais
elástica.
O "personal stylist" -profissional que cuida da aparência
e da maneira de vestir das pessoas-, por exemplo, deixou de
ser privilégio dos famosos. Como Ellen Baraldi, 21, que atende
de profissionais liberais a crianças. "Uma mãe pediu que eu
ensinasse sua filha de sete anos e seu filho de 11 a arrumar
o armário. Eles eram muito consumistas, a menina não conseguia
usar nada que não fosse conjunto. Mostrei que ela podia combinar
peças compradas em lojas diferentes", conta.
Personal Zen
Para competir em áreas mais saturadas, a saída é oferecer
serviços ainda mais exclusivos. É o caso do "personal zen".
"Achei que estava faltando um profissional que usasse técnicas
que promovem o bem-estar de forma individualizada", diz o
"personal zen" Alexandre Von Ajs, 39, que presta esse serviço
no Rio de Janeiro há 20 anos, mas usa o termo, que conheceu
nos EUA, há dez.
No pacote oferecido por ele entram meditação, ioga, pilates,
alongamento, massagem e tai chi chuan. "O "personal zen" tem
de ter uma visão holística e estar munido de várias técnicas
para combiná-las de acordo com o perfil do cliente", explica
Alexandre.
Os clientes são, normalmente, pessoas de alto poder aquisitivo
que vivem estressadas. O número de homens que procuram o atendimento
personalizado é muito maior do que o dos que freqüentam as
aulas comuns. "Eles costumam ser mais acomodados, têm menos
flexibilidade e ficam envergonhados de ir a uma aula cheia
de mulheres", afirma.
Da falta de tempo à vergonha de se expor em público, da falta
de conhecimento em determinada área à vontade de se sentir
único, "há serviço para tudo. E bem pago", diz o sociólogo
Ricardo Antunes. Que a vida fica mais prática, não há dúvidas,
mas há quem questione se fica melhor. "É a ética do pragmatismo,
que confunde o que é prático com o que é certo", diz o filósofo
Mario Sergio Cortella. Para resolver questões como essa, talvez
até surja um novo profissional no mercado: o "personal filósofo".
FLÁVIA MANTOVANI
IARA BIDERMAN
da Folha de S. Paulo, editoria Equilíbrio
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