Operação de guerra para preparar a entrada do
Magazine Luiza na capital: salas de aula para 2 mil escolhidos
e 270 horas de treinamento
Tudo que cerca o chamado "projeto São Paulo"
na rede de varejo Magazine Luiza tem um certo tom de mistério.
No mesmo dia, nos próximos meses, a terceira maior
rede varejista do país colocará em funcionamento
50 lojas na cidade de São Paulo, Grande São
Paulo e litoral do Estado. A data da empreitada é guardada
a sete chaves no grupo. Ninguém sabe. Nem mesmo os
dois mil novos funcionários recém-selecionados
num processo gigantesco de seleção, que envolveu
120 mil candidatos. "Estamos numa verdadeira operação
de guerra", diz Telma Rodrigues, diretora de recursos
humanos da rede.
Apenas para tratar do "projeto São Paulo",
o departamento de RH conta com um orçamento inicial
de R$ 7 milhões, o que fez praticamente dobrar seu
"budget" anual de R$ 8 milhões. Como no varejo
quem está na linha de frente pode garantir o sucesso
ou fracasso das vendas e da operação, a rede
decidiu redobrar o cuidado dispensado na formação
desses novos funcionários. "São Paulo é
um mercado mais exigente, sabemos disso", diz Telma.
A operação começou a ser estruturada
em novembro do ano passado e chamou a atenção
do público antes mesmo das vagas serem disponibilizadas.
Com uma divulgação moderada, na base do boca-a-boca
e algumas matérias em jornais, cerca de quatro mil
pessoas procuraram o portal do Magazine Luiza atrás
de uma colocação. "Ficamos surpresos e
decidimos usar esse contato para perguntar como eles gostariam
que fosse feita a seleção", conta Telma.
A resposta foi clara: menos dias de entrevistas e um retorno,
mesmo negativo, no final. "Decidimos atender essa demanda".
No fim do processo, Luiza Trajano, fundadora da rede, gravou
uma mensagem de vídeo no site dirigida aos eliminados.
Em vez de explicações, dicas para o futuro:
como se vestir e se portar numa entrevista de emprego.
Para chegar aos dois mil nomes efetivados, a rede contou
com a ajuda de quatro consultorias de RH, incluindo uma especializada
na contratação de pessoas portadoras de deficiências,
para preencher 50 postos. A propaganda foi para as ruas no
início do ano com anúncios no rádio e
no metrô. O retorno veio a galope. Em poucos meses,
120 mil inscritos. No fim da seleção, a divulgação
dos escolhidos foi publicada em jornais de grande circulação
como se fosse o resultado de um vestibular. "A maioria
não foi para uma faculdade e nunca teve seu nome numa
lista dessas, aparecer no jornal foi um motivo de orgulho
para as famílias", explica Telma.
Selecionados os novos empregados, a rede criou um centro
de treinamento no prédio da Universal Music, no Bairro
de Santana, só para atender o "projeto São
Paulo". Numa área de quatro mil metros quadrados,
o Magazine Luiza construiu oito salas de aula, dividiu os
novos empregados em turmas de 700 pessoas e deu início
este mês à preparação do efetivo.
"Cada funcionário passará até o
fim de agosto por 280 horas de treinamento", diz Telma.
Depois de dedicar 94 horas a assuntos ligados à cultura
da empresa e formação pessoal, eles terão
outras 87 horas de treinamento prático nas lojas da
rede.
Com a intenção de contemplar as necessidades
específicas desse novo efetivo, a rede decidiu adaptar
algumas de suas políticas na área de RH. O cheque-mãe,
por exemplo, um auxílio de R$ 250,00 mensais oferecido
às funcionárias que precisam deixar os filhos
menores de 10 anos em creches ou com babás para trabalhar,
oferecido após um ano de casa, poderá ser utilizado
seis meses após a entrada no grupo. "As mães
sofrem mais com esse problema aqui em São Paulo pela
dificuldade de locomoção e pelo próprio
tamanho da cidade", diz a diretora.
Essa rapidez na resposta às demandas dos funcionários,
aliada a políticas pouco usuais como a assistência
médica estendida aos pais e sogros, bolsa de estudos
após um ano de casa para o pessoal das lojas, entre
outros benefícios, já renderam vários
prêmios ao RH do Magazine Luiza. "Nosso turnover
médio é de 27%", conta Telma. Um percentual
bem abaixo da média do varejo que gira em torno de
35% a 40%. A maior parte dos 12 mil funcionários tem
mais de cinco anos de casa, coisa rara no setor. "Temos
900 pessoas, em cargos de liderança, com 20 anos de
empresa ou mais e são eles que mantém viva a
nossa cultura", diz.
Dos que ingressam agora na empresa em São Paulo, 73%
têm idade entre 25 e 49 anos, 55% são mulheres
e 67% terminaram o ensino médio. Os critérios
de seleção para todas as vagas, de montadores
a gerentes seniores, levaram em conta o espírito empreendedor
e a facilidade na comunicação. "Queríamos
pessoas que tivessem batalhado desde cedo, que tivessem ambição
para melhorar de vida", diz Telma. "Mas com uma
postura ética, claro".
Ser competitivo parece ser uma característica inerente
a quem atua no varejo. Essa, entretanto, não é
uma característica vista com bons olhos pelo grupo.
"Tentamos minimizar esse espírito de competição
dividindo a composição da remuneração
do funcionário entre metas individuais e de grupo",
explica Telma. Assim, 70% do salário do empregado está
relacionado à própria performance e 30% à
de sua equipe. "Queremos incentivar com isso o trabalho
em equipe", diz.
Outra medida adotada na rede, para promover uma maior interação
entre os funcionários das lojas, foi a criação
de conselhos internos. Como nas grandes corporações,
cada loja possui um conselho consultivo, eleito pelos empregados,
com um mandato anual, que decide sobre demissões e
discute a performance da unidade. "É uma forma
de ninguém reclamar do que é decidido",
diz Telma.
O fato do grupo, fundado há 50 anos, ter quadruplicado
de tamanho nos últimos dez anos, ajuda a garantir uma
maior mobilidade para os funcionários, pelo fato de
qualquer um poder se candidatar a um posto no banco de dados
mantido no portal do Magazine Luiza. Mais de 80% das vagas
são preenchidas internamente.
Hoje a rede possui 395 lojas, em sete estados e emprega 12
mil pessoas. No ano passado, seu faturamento foi de R$ 2,6
bilhões. A previsão é de um crescimento
de 40% este ano. Ingressar em São Paulo, erguendo 50
lojas organicamente, sem nenhuma aquisição,
é o maior desafio já enfrentado pelo grupo.
"Nós sabemos que o sucesso dessa operação
está nas mãos destas pessoas que estamos contratando,
por isso precisamos cuidar muito bem delas", diz a diretora.
Stela Campos
O Valor Econômico
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