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Foi-se
o tempo em que só famosos do mundo das artes, do esporte
ou da política publicavam autobiografias. Uma pequena
editora do sul da Alemanha especializou-se em biografar pessoas "normais",
desconhecidas, que querem, por meio de um livro, apenas registrar
sua história para parentes e amigos.
Mein Leben (Minha Vida, em alemão) é o nome da editora, localizada
na pequena cidade de Polling, na Baviera. Ou Oficina de Memórias, como
preferem chamar seus criadores, o sociólogo Louis Lau e as literatas Ellen
Schönfelder e Irina Ploch-Harabacz.
Na maioria dos casos, são pessoas de idade avançada -ou os filhos
delas- que contratam os serviços de Lau, Schönfelder e Ploch-Harabacz,
os editores e "ghost-writers" das autobiografias. "É gente
que acha importante deixar sua história registrada para a família,
para os descendentes. Ou são os filhos que querem ver contada a história
da mãe ou do pai, que querem entender melhor suas raízes",
explica Lau.
Ao serem contratados, dois dos três editores viajam juntos para a cidade
do cliente e se hospedam na casa dele. Ali, durante quatro dias, entrevistadores
e entrevistado tomam café da manhã, almoçam e jantam juntos. "Só assim
podemos construir um quadro melhor da pessoa, do meio onde ela vive."
Além disso, eles dedicam várias horas do dia às entrevistas,
que, mais tarde, serão compiladas na forma de autobiografia. "Parece
pouco, mas quatro dias são uma eternidade", diz o sociólogo.
No papel de "ghost-writers", eles evitam "encher" os entrevistados
de perguntas. A primeira, geralmente, é: "Por onde o senhor (ou a
senhora) quer começar?". Nas primeiras horas, diz o editor, o entrevistado
tem dificuldade de se abrir. "É uma situação estranha
para ele." Mas, aos poucos, acrescenta, ele vai se sentindo melhor e lembrando
cada vez mais o seu passado. "Às vezes, as pessoas vão ficando
até com o rosto vermelho."
Foi o caso do empresário Fritz S., que, no próximo semestre, quando
comemorará 80 anos, vai presentear parentes e amigos com a história
da sua vida. "No início das entrevistas, não sabia o que falar.
No final, acabei contando coisas que antes só tinha confiado à minha
mulher", disse ele à Folha.
Por se tratar de clientes idosos, a vida durante e logo depois da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) e a época da reconstrução da Alemanha
e do milagre econômico, nos anos 50 e 60, são temas comuns das 15
autobiografias já editadas.
No caso dos homens, muitos dos entrevistados lutaram no fronte e viveram como
prisioneiros no final da guerra. As mulheres também contam do dia-a-dia
durante a guerra, do medo e das fugas durante o conflito. "Com freqüência,
temos de fazer intervalos. Tudo vem à tona", diz Lau.
De volta à editora, os "ghost-writers" transcrevem as fitas
com as entrevistas e fazem um primeiro manuscrito. Esse trabalho demora cerca
de três meses.
Em seguida, o texto e uma sugestão de capa para o livro são enviados
ao cliente para revisão. É a fase na qual o entrevistado, junto
aos filhos ou aos netos, avalia o estilo usado pelo "ghost-writer" e
possíveis mudanças, que são discutidas com os editores.
Em menos de um ano, a autobiografia está editada, com uma média
de 200 páginas e uma tiragem que pode variar de dez a cem exemplares.
Para isso, os clientes de Lau, Schönfelder e Ploch-Harabacz precisam desembolsar
pelo menos 14 mil (R$ 45 mil, pela cotação de 25/3).
A idéia de abrir uma "oficina de memórias" surgiu nos
anos 90, quando os três amigos Lau, Schönfelder e Ploch-Harabacz organizavam
pequenos encontros literários na cidade de Munique. Na época, Ellen
Schönfelder já manifestava seu desejo de, um dia, biografar a vida
do pai.
A editora Minha Vida foi aberta há quase três anos, coincidentemente
quando começou um boom de autobiografias de alemães famosos, como
a do ex-tenista Boris Becker e a do jogador de futebol Stefan Effenberg.
A grande diferença, diz Lau, é que suas autobiografias não
são feitas para o grande público, mas para um pequeno círculo
de conhecidos do biografado. Elas também não são de jovens
de 30 anos, mas de pessoas de idade, que querem fazer um balanço de suas
vidas.
Entre elas está, por exemplo, o livro "Aceitar a Vida como Ela Vem" (2003),
de Margareta S. Viúva de um ex-oficial alemão, Margareta S. conta
em suas memórias, entre outras coisas, como conseguiu, com o marido, abrir,
depois da guerra, uma pequena gráfica, hoje de renome internacional.
"Nossos livros não querem machucar ninguém, não querem
escandalizar. Eles não têm a pressão de vender", diz
Lau.
As informações são
da Folha de S. Paulo. |