A baixa
escolaridade atrasa o diagnóstico do câncer e
reduz as chances de cura. É o que demonstra um estudo
do Hospital do Câncer de São Paulo, que analisou
a taxa de sobrevida de 2.741 pacientes adultos nos últimos
três anos. Essa taxa indica a probabilidade de estar
vivo no período de realização da pesquisa.
O estudo, inédito no país, mostra que, entre
os que descobriram a doença em fase mais avançada
(estágios 3 e 4), 61% estudaram até a 8ª
série do ensino fundamental. O restante, 39%, tinha
concluído o ensino médio ou o superior.
A escolaridade costuma ser o indicador de nível socioeconômico
mais usado para adultos porque, em geral, não se altera.
Outros indicadores são renda e ocupação,
que não foram avaliados na pesquisa.
O peso da escolaridade no diagnóstico precoce fica
bem claro no câncer da mama, o que mais mata as brasileiras:
73,3% das mulheres que detectaram o tumor em estágio
inicial tinham o ensino médio ou o superior completo.
Mesmo com tumores descobertos em estágios mais avançados,
a taxa de sobrevida é maior entre os que estudaram
mais: 90% contra 54%.
No caso do câncer da boca e orofaringe (uma das divisões
da faringe), a situação se repete: os pacientes
com menos anos de estudo tiveram índices de sobrevida
de 44% --nos estágios iniciais--, enquanto entre os
doentes que estudaram mais as taxas foram de 100%.
Segundo a epidemiologista Karina Ribeiro, que coordenou a
pesquisa, a baixa escolaridade pode estar relacionada à
dificuldade de acesso aos serviços de saúde,
à falta de informação sobre os fatores
de risco e os métodos de prevenção dos
diversos tipos de tumores e até à negação
da possibilidade de ter câncer.
Na sua avaliação, se forem identificados os
fatores socioeconômicos que podem influenciar no desenvolvimento
da doença e no seu diagnóstico, será
possível planejar intervenções para reduzir
essas disparidades e obter melhores taxas de sobrevida.
Para o médico Humberto Torloni, diretor do centro
de pesquisas do Hospital do Câncer, a baixa escolaridade
está associada à pobreza, que, por sua vez,
está diretamente relacionada a uma maior incidência
de alguns tipos de câncer. Tumor peniano e do colo do
útero, por exemplo, são muito mais freqüentes
no Norte e Nordeste do que no Sul e Sudeste.
Na esteira da baixa escolaridade e da pobreza está
a falta de acesso aos serviços de saúde, que,
na avaliação do mastologista e cirurgião
oncológico José Luiz Bevilacqua, do Hospital
Sírio Libanês e do IBCC (Instituto Brasileiro
de Controle do Câncer), é a principal causa do
diagnóstico tardio do câncer no país.
Hoje, 60% dos tumores são diagnosticados em estágios
avançados no Brasil.
Para ele, a melhoria do acesso das pessoas de baixa renda
aos serviços públicos de saúde facilita
o diagnóstico precoce de alguns tipos de câncer,
como o da mama (por meio da mamografia) e o do colo uterino
(por meio do exame de papanicolaou).
"Tivemos uma redução do câncer uterino
apenas com o acesso ao papanicolaou. Não dá
para ficar esperando a população melhorar o
nível de escolaridade ou a renda para reverter a incidência
do câncer", diz o médico.
O oncologista Ricardo Marques, do comitê de ética
da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, concorda:
"Fica difícil atribuir à baixa escolaridade
o atraso no diagnóstico do tumor em uma pessoa que
demorou de quatro a cinco meses para conseguir atendimento
em um serviço especializado de câncer".
Para o professor titular de oncologia da Faculdade de Medicina
da USP, Ricardo Brentani, também presidente do Hospital
do Câncer, a informação é uma das
principais armas na prevenção do câncer.
"Sabemos que 35% dos casos estão relacionados
ao cigarro, 15% ao álcool e 10% aos vírus sexualmente
transmissíveis."
Mas não são apenas os pacientes que precisam
de mais informações. De acordo com Torloni,
é comum os doentes passarem por vários especialistas
até terem o câncer diagnosticado e iniciarem
o tratamento.
Ele cita o exemplo do sarcoma, um tipo de tumor que pode
ocorrer em osso, músculo, cartilagem etc., e que, na
maioria dos casos, é diagnosticado tardiamente porque,
no estágio inicial, não é avaliado corretamente
por médicos não-especializados.
O dentista Marcos dos Santos Oliveira, 29, carrega até
hoje as seqüelas desse problema. Há dez anos,
ele foi vítima de um câncer no joelho e teve
de amputar a perna direita.
Porém, antes de ter a doença diagnosticada,
passou por pelo menos 12 médicos que lhe prescreveram
inúmeros analgésicos e antiinflamatórios,
além de inúteis radiografias. "Teve um
que disse que eu tinha doença venérea."
Na opinião de Brentani, é fundamental que as
faculdades de medicina tenham na grade curricular a disciplina
de oncologia para que os médicos saibam reconhecer
precocemente o câncer.
Para Ricardo Marques, o preconceito na área médica
em relação ao câncer é tão
grande que muitos especialistas evitam até falar o
nome da doença. "Eles dizem "aquela doença"."
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
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