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09/02/2007
Carta da semana
Crônica sobre canção
de ninar
“Eu, um Brasileiro
morando nos Estados Unidos da América, para ajudar
no orçamento, estou fazendo "bico" de babá.
Ao cuidar de uma das meninas de quem eu "teoricamente"
tomo conta, uma vez cantei "Boi da cara preta" para
ela, antes dela dormir. Ela adorou e essa passou a ser a música
que ela sempre pede para eu cantar ao colocá-la para
dormir. Antes de adotarmos o "boi, boi, boi" como
canção de ninar, a canção que
cantávamos (em Inglês) dizia algo como:
“Boa noite, linda menina, durma
bem
Sonhos doces venham para você,
Sonhos doces por toda noite"... (Que lindo, né?)
Eis que um dia Mary Helen me pergunta o que as palavras, em
português, da música "Boi da cara preta"
queriam dizer em Inglês:
”Boi, boi, boi,
boi da cara preta,
pega essa menina que tem medo de careta..." (???)
Como eu ia explicar para ela e dizer que, na verdade, a música
"boi da cara preta" era uma ameaça, era algo
como "dorme logo, senão o boi vem te comer"?
Como explicar que estava tentando fazer com que ela dormisse
com uma música que incita um bovino de cor negra a
pegar uma cândida menina?
Claro que menti, mas comecei a pensar em outras canções
infantis, pois não me sentiria bem ameaçando
aquela menina com um temível boi toda noite. Que tal!
"nana neném que a cuca vai pegar”? Outra
ameaça! Agora com um ser ainda mais “maligno”
que um boi preto!
Depois de uma frustrante busca por uma canção
infantil do folclore brasileiro, que fosse positiva e de uma
longa reflexão, eu descobri toda a origem dos problemas
do Brasil.
O problema do Brasil é que a sua população
em geral tem uma auto-estima muito baixa. Isso faz com que
os brasileiros se sintam sempre inferiores e ameaçados,
passivos o suficiente para aceitar qualquer tipo de extorsão
e exploração seja interna ou externa. Por que
isso acontece? Trauma de infância!Trauma causado pelas
canções da infância! Vou explicar: nós
somos ameaçados, amedrontados e encaramos tragédias
desde o berço! Por isso levamos tanta “porrada
“da vida e ficamos quietos. Exemplificarei minha tese:
“Atirei o pau no gato-to-to,
mas o gato-to-to não morreu-reu-reu
Dona Chica-ca-ca admirou-se-se
do berrô, do berrô que o gato deu
Miaaau! “
Para começar, esse clássico do cancioneiro infantil
é uma demonstração clara de falta de
respeito aos animais (pobre gato) e crueldade. Por que atirar
“O pau no gato’, essa criatura tão indefesa?
E para acentuar a gravidade relata o sadismo dessa mulher
sob a alcunha de "dona Chica". Uma vergonha!
“Eu sou pobre, pobre, pobre,
de marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,
de marré de si.
Eu sou rica, rica, rica,
de marré, marré, marré.
Eu sou rica, rica, rica,
de marré de si”
Colocar a realidade tão vergonhosa
da desigualdade social em versos tão doces! É
impossível não lembrar do seu amiguinho rico
da infância com um carrinho fabuloso, de controle remoto,
e você brincando com seu carrinho de plástico.
“Vem cá, Bitu! vem cá, Bitu!
Vem cá, meu bem, vem cá!
Não vou lá! Não vou lá, Não
vou lá!
Tenho medo de apanhar”
Quem foi o adulto sádico que criou essa rima? No mínimo
ele espancava o pobre Bitú...
“Marcha soldado,
cabeça de papel
Quem não marchar direito,
Vai preso pro quartel”
De novo, ameaça! Ou obedece ou você vai será
preso. Não é à toa que o brasileiro admite
tudo de cabeça baixa.
“A canoa virou,
Quem deixou ela virar,
Foi por causa da (nome de pessoa)
Que não soube remar”
Ao invés de incentivar o trabalho de equipe e o apoio
mútuo, as crianças brasileiras são ensinadas
a dedurar e a condenar um semelhante. “Bate nele, mãe!”
“Samba-lelê tá doente,
tá com a cabeça quebrada
Samba-lelê precisava
É de umas boas palmadas”
A pessoa, conhecida como Samba-lelê, encontra-se com
a saúde debilitada e necessita de cuidados médicos.
Mas, ao invés de compaixão e apoio, a música
diz que ela precisa de palmadas! Acho que o Samba-lelê
deve ser irmão do Bitú....!
“O anel que tu me deste
era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas
era pouco e se acabou”
Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de
ouvir essa passagem anos a fio?
“O cravo brigou com a rosa
debaixo de uma sacada;
O cravo saiu ferido
e a rosa despedaçada.
“O cravo ficou doente,
A rosa foi visitar;
O cravo teve um desmaio,
A rosa pôs-se a chorar”
Desgraça, desgraça, desgraça! E ainda
incita a violência conjugal (releia a primeira estrofe).
Precisamos lutar contra essas lembranças. Nossos filhos
merecem um futuro melhor! “,
Jorge Hernan - jorgehernan@terra.com.br
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