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12/01/2007
Carta da semana
Crônica de um jovem salvo pela literatura!
”Sou quem sou, graças aos livros, se não
fossem eles eu estaria à sete palmos abaixo da terra.
Nasci em uma família na qual a leitura vinha em último
plano. O máximo que acontecia era um dos meus tios
que aos domingos durante o café da manhã abria
um jornal, o extinto Diário Popular, e ficava ali a
folhear durante horas. Mas isso não durou muito, pois
ele acabou ficando desempregado e o primeiro corte de gasto
foi o jornal.
Um outro tio que hoje é padre,
fora durante alguns anos, coordenador da sala onde estudava
e muito amigo dos professores e diretores. Sendo assim, ganhava
muitos livros. Às vezes chegava em casa com uma caixa
fechada de livros novos. E eu nem aí com nada. Só
queria mesmo era saber de empinar pipa, jogar bolinha de gude,
rodar pião, brincar, brincar e brincar. Lembro que
o primeiro livro ao qual fui obrigado a ler (e não
li) foi indicado pela professora de literatura quando eu estava
na quinta série. Ela passou o livro no início
do bimestre e no fim dele iria dar uma prova.
O tempo foi passando e nada de eu
ler o livro. Até que num domingo, que antecedia a prova,
eu resolvi pegar no livro, antes, porém, havia perdido
a pipa que empinava. Então lá fui eu, naquela
tarde calorosa, onde o céu azul era completado pelas
pipas e pelos pássaros que voavam no ritmo do vento.
Peguei o livro, observei a capa, vi a página de rosto,
li a primeira página, passei para a página do
meio, e... olhei para um lado e para o outro, fui até
a página final, li e fechei o livro satisfeito.
- Bom, dá pra tirar metade
da nota. – Pensei sorridente.
No dia seguinte a professora mal deu
bom dia e tome-lhe prova. Resultado: não consegui responder
nenhuma pergunta. Com isso, eu cheguei a conclusão
de que quando se faz algo que é obrigatório,
não rende e não se produz nada.
Em 1998 mudamos de Itaquera para Suzano
e mesmo assim continuei trabalhando como cobrador de lotação
onde eu morava, e pra isso pegava os trens da CPTM às
quatro da manhã. Só que três anos depois,
chegou um momento que eu não agüentava mais ficar
olhando para cara das pessoas dentro do vagão, e não
conseguia cochilar. Precisava fazer alguma coisa para passar
o tempo, aquilo ali estava ficando um marasmo dos diabos;
as pessoas quando não estavam dormindo, ou estavam
jogando baralho (e eu até hoje não sei jogar,
a não ser o 21 que, muitos conhecem pelo nome de burrinho),
ou fofocando ou falando das novelas. E foi então que
comecei a prestar atenção em algumas pessoas
que liam livros ou riscavam revistas de passatempos. Pedi
um livro para o meu tio, que tinha vários debaixo de
sua cama. Ele negou dizendo que eu não iria ler, e
que iria era estragar os livros.
- Deixa estar, eu dou um jeito –
disse para mim mesmo com um riso sarcástico.
E foi quando ele deu uma saída,
entrei no quarto e peguei um livro. Comecei a ler no trem
apenas para passar o tempo. Alguns dias depois eu já
reclamava quando a composição chegava na estação
de Itaquera.
- Poxa vida, podia ter mais uma estação
para mim ler pelo menos mais uma página...
E virei leitor de fato, lia não
mais para passar o tempo e sim por prazer e busca de conhecimentos.
E assim os livros foram sumindo das caixas debaixo da cama
do meu tio. Até hoje ele não sabe disso, aliás,
até o momento que ler esse texto.
Sempre fui bom em redação,
escrevia histórias com muita facilidade na época
da escola, só não gostava de ler, ou não
me ensinaram a gostar. Então comecei a colocar no papel
tudo aquilo que via no meu cotidiano. Todas as cenas de injustiças
sociais. Assim me sentia vingado, pois estava em um momento
de inquietação e conflito. Meu padrasto havia
acabado de desaparecer e eu virara chefe da casa, o único
que tinha um emprego com apenas 19 anos de idade.
Precisava fazer alguma coisa para
me extravasar: eu partia para o lado da pólvora (crime)
ou para o lado do açúcar (cultura). Optei pelo
açúcar, que às vezes é um pouco
amargo. Então, todas as coisas que eu tinha para dizer
colocava no papel em forma de rap ou de texto literário,
e não mais me sentia pequeno. A partir daí percebi
que eu poderia fazer um estrago muito maior com a literatura
do que ao contrário se eu tivesse ido para o crime.
E assim comecei a ser mais seguro
de mim mesmo, dono de minhas atitudes e dos meus atos. Toda
vez que eu estou em algum local público e abro um livro,
me sinto o todo poderoso, como se eu tivesse o bem mais precioso
do mundo; e tenho”,
Sacolinha, Suzano
(SP) - sacolagraduado@gmail.com
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