HOME | NOTÍCIAS  | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | QUEM SOMOS


Envie sua opinião

boca no trombone

"Quem vai melhorar este país somos nós",
Mauricio Antonio

"Por que Marta não fez a obra próximo da casa dela",
Marcio Coronato


palavra do leitor

"Aqui, o PT ganhou as eleições. Mas, sem sombra de dúvidas, perdeu a vergonha",
Pedro Bira

"Em breve, teremos um país vermelho de vergonha!",
Antonio Brandi


17/11/2006
Carta da semana

Pontos de Convergência entre Maomé Yunus e a Política Social do Presidente LUla

O Prémio Nobel da Paz oferecido ao banqueiro Maomé Yunus, cidadão de Bangladesh, o qual fundou um “Banco dos Pobres”, merece, sem dúvida alguma, mais destaque na imprensa mundial do que tem ocorrido até agora. A razão é simples. Bangladesh é um dos países mais pobres do mundo. O banco criado pelo Yunus fornece um crédito mínimo para indivíduos pobres dispostos a correrem o risco de tomarem as rédeas do destino em suas próprias mãos. O “Banco dos Pobres” representa literalmente um farol para os náufragos do sistema capitalista (de Bangladesh), os quais não conseguem empréstimos em quaisquer outros bancos, pois não dispõem de garantias suficientes para cobrirem eventuais perdas.

A história do Prémio Nobel da Paz de 2006 iniciou-se em 1976, quando o senhor Yunus emprestou 27 dólares para 42 tecedeiras de balaios numa vila perto de sua cidade natal. Os créditos mínimos financiam projetos autônomos em áreas econômicas sensíveis da comunidade pobre. Não se trata aqui de presente, pois os credores devem pagar juros pela quantia que tomam emprestadas. A diferença é que esses juros não ultrapassam o patamar da normalidade econômica. O senhor Yunus não é um prestamista, mas um benfeitor com os pés no chão, um realista.

O modelo criado por Yunus baseia-se num clima de confiança mútua e disposição para trabalhar positivamente na comunidade. Os devedores não são tratados como tais, nem assim se sentem, pois ninguém perde seu negócio devido a eventuais atrasos no pagamento de juros.

A experiência de Yunus levou-o a fundar o Banco Grameen em 1983, o Banco da Comunidade, o qual era a antítese dos Bancos comuns: pobres que têm projetos de negócios plausíveis merecem crédito. Os devedores são ao mesmo tempo, com excepção de uma pequena parte garantida pelo Estado, os donos do Banco. Os funcionários do Banco visitam a comunidade e tomam parte nas reuniões gerais, onde se discutem projetos de negócios e a possibilidade de financiamento. O pagamento do crédito oferecido e dos juros é uma questão de confiança entre o Banco e os devedores. Apenas confiança. Não há garantias de espécie alguma da parte dos devedores.

O engajamento social do “Banco da Comunidade” vai além das atividades puramente ‘bancárias’. A formulação de dezesseis regras de conduta pessoal faz parte da imagem e da filosofia social do “Banco da Comunidade”. Entre essas regras, por exemplo, está a exortação aos pais de mandarem a prole para a escola. Ainda, o questionamento do costume do dote, o qual os pais devem pagar para a noiva, é algo muito importante na vida da comunidade, pois tal tradição leva muitas famílias à ruína. Trata-se, portanto, de um programa modernizador, o qual não é imposto por auto-intitulados “libertadores” do Ocidente, desconhecedores da mentalidade e da tradição local.

Mas nem tudo é perfeito. Por exemplo, os críticos, esses os há sempre, criticam o fato de que a maioria dos empréstimos tinham uma taxa de juros entre cinco e vinte porcentos, argumentando que se tratava de “impiedosa exploração dos pobres”. Ora, os críticos criticaram apressadamente e deixaram de notar um aspecto fundamental no programa de Maomé Yunus: o desenvolvimento da comunidade é uma tarefa a ser desempenha pelos próprios habitantes da comunidade. Assim, trata-se de um modelo de desenvolvimento social a partir da base da estrutura social (bottom-up development), exatamente o oposto do que sempre foi feito na região semiárida do Nordeste brasileiro (top-down development).

O modelo de desenvolvimento a partir da base da estrutura social fornece ajuda para o desenvolvimento da autocapacidade de auto-ajuda. Não se fala aqui em presentes, mas em empréstimos que se tornam um incentivo para o rompimento da barreira da pobreza estrutural. Tem-se aqui a resposta à preocupação do banqueiro quanto aos ativos ou à futura liquidez do devedor: a segurança encontra-se na força de vontade de vencer, de tomar as rédeas do próprio destino nas mãos e subjugar as circunstâncias adversas. Os juros servem de incentivo. Algo, por exemplo, nota-se de passagem, que nunca foi oferecido à massa escrava brasileira após quatrocentos anos de animalização.

De acordo com a experiência do “Banco da Comunidade”, a mulheres são mais bem-sucedidas do que os homens no que diz respeito à melhor utilização do empréstimo bancário, pois elas estão acostumadas a administrar uma renda familiar que sempre foi parquíssima. Pode-se dizer que elas são gerentes naturais da precariedade, num sentido positivo.

Torna-se claro, a essas alturas, que o programa do senhor Maomé Yunus difere completamente do conceito e política de ajuda de desenvolvimento praticada pela maioria dos países ricos ocidentais, pois ele abre ou oferece uma perspectiva concreta de superação da pobreza para o homem simples do povo. Por outro lado, os depósitos pecuniários dos países ricos perdem-se nas malhas corruptas da burocracia estatal dos países pobres do chamado Terceiro Mundo, nunca alcançando as comunidades necessitadas, retornando aos centros financeiros da “metrópole” em forma de conta pessoal ou em nome de parentes.

É interessante frisar aqui que o projeto “Banco da Comunidade” tem fundamentação teórica no trabalho do economista Armatyr Senn, o qual pesquisou as causas da grande fome em seu país em 1974 e chegou à conclusão de que a ajuda de desenvolvimento dos países ricos, em sua forma tradicional, era falsa. Armatyr Seen recebeu o Prémio Nobel de Economia em 1998 e é, por coincidência, também originário de Bangladesh.

É lugar comum o fato de que a oferta de ajuda financeira em si para aqueles que historica e estruturalmente sempre foram desfavorecidos, sem qualquer incentivo à auto-ajuda, sedimenta a situação de pobreza. A iniciativa do Sr. Maomé Yunus é extraordinária e merece imitação, levando-se em consideração as peculiaridades de cada país e cultura. Ela mostra de forma límpida que qualquer forma de ajuda financeira por si nada resolve, se as potencialidades positivas (Capital Humano) do recebedor não podem ser desenvolvidas adequadamente.

Poder-se-ia afirmar que a agenda político-social do PT, ao beneficiar as médias e pequenas empresas, no âmbito dos Programas Primeiro Emprego, Fome Zero e Renda Mínima, de combate ao desemprego urbano e à pobreza urbano-rural, Saúde da Família, Economia Popular e Solidária, ou, ainda, o incentivo à organização económica dos excluídos (membros do ‘Precariado’, na terminologia sociológica europeia), assemelha-se à filosofia de desenvolvimento social do senhor Maomé Yunus ou do economista Armatyr Seen?”,
Francisco M. da Rocha - tullius@europe.com

CIDADÃO JORNALISTA é um espaço destinado aos leitores e ouvintes que ao relatarem fatos e experiências de sua cidade, comunidade e cotidiano, tornam-se repórteres por um momento.

 
 

Anteriores:
10/11/2006
O agente decisivo
03/11/2006
Instrumento de Libertação
27/10/2006
O nível da qualidade de vida
20/10/2006
Elos perdidos
13/10/2006
Queimados nos canaviais parecem cogumelos Atômicos
06/09/2006
Incoerência nacional
29/09/2006
A desinteligência do voto
29/09/2006
Educação em período eleitoral
22/09/2006
O anel de formatura
15/09/2006
Os destinos da educação e o professor aposentado