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17/11/2006
Carta da semana
Pontos de Convergência entre Maomé Yunus e a
Política Social do Presidente LUla
“O Prémio Nobel
da Paz oferecido ao banqueiro Maomé Yunus, cidadão
de Bangladesh, o qual fundou um “Banco dos Pobres”,
merece, sem dúvida alguma, mais destaque na imprensa
mundial do que tem ocorrido até agora. A razão
é simples. Bangladesh é um dos países
mais pobres do mundo. O banco criado pelo Yunus fornece um
crédito mínimo para indivíduos pobres
dispostos a correrem o risco de tomarem as rédeas do
destino em suas próprias mãos. O “Banco
dos Pobres” representa literalmente um farol para os
náufragos do sistema capitalista (de Bangladesh), os
quais não conseguem empréstimos em quaisquer
outros bancos, pois não dispõem de garantias
suficientes para cobrirem eventuais perdas.
A história do Prémio
Nobel da Paz de 2006 iniciou-se em 1976, quando o senhor Yunus
emprestou 27 dólares para 42 tecedeiras de balaios
numa vila perto de sua cidade natal. Os créditos mínimos
financiam projetos autônomos em áreas econômicas
sensíveis da comunidade pobre. Não se trata
aqui de presente, pois os credores devem pagar juros pela
quantia que tomam emprestadas. A diferença é
que esses juros não ultrapassam o patamar da normalidade
econômica. O senhor Yunus não é um prestamista,
mas um benfeitor com os pés no chão, um realista.
O modelo criado por Yunus baseia-se
num clima de confiança mútua e disposição
para trabalhar positivamente na comunidade. Os devedores não
são tratados como tais, nem assim se sentem, pois ninguém
perde seu negócio devido a eventuais atrasos no pagamento
de juros.
A experiência de Yunus levou-o
a fundar o Banco Grameen em 1983, o Banco da Comunidade, o
qual era a antítese dos Bancos comuns: pobres que têm
projetos de negócios plausíveis merecem crédito.
Os devedores são ao mesmo tempo, com excepção
de uma pequena parte garantida pelo Estado, os donos do Banco.
Os funcionários do Banco visitam a comunidade e tomam
parte nas reuniões gerais, onde se discutem projetos
de negócios e a possibilidade de financiamento. O pagamento
do crédito oferecido e dos juros é uma questão
de confiança entre o Banco e os devedores. Apenas confiança.
Não há garantias de espécie alguma da
parte dos devedores.
O engajamento social do “Banco
da Comunidade” vai além das atividades puramente
‘bancárias’. A formulação
de dezesseis regras de conduta pessoal faz parte da imagem
e da filosofia social do “Banco da Comunidade”.
Entre essas regras, por exemplo, está a exortação
aos pais de mandarem a prole para a escola. Ainda, o questionamento
do costume do dote, o qual os pais devem pagar para a noiva,
é algo muito importante na vida da comunidade, pois
tal tradição leva muitas famílias à
ruína. Trata-se, portanto, de um programa modernizador,
o qual não é imposto por auto-intitulados “libertadores”
do Ocidente, desconhecedores da mentalidade e da tradição
local.
Mas nem tudo é perfeito. Por
exemplo, os críticos, esses os há sempre, criticam
o fato de que a maioria dos empréstimos tinham uma
taxa de juros entre cinco e vinte porcentos, argumentando
que se tratava de “impiedosa exploração
dos pobres”. Ora, os críticos criticaram apressadamente
e deixaram de notar um aspecto fundamental no programa de
Maomé Yunus: o desenvolvimento da comunidade é
uma tarefa a ser desempenha pelos próprios habitantes
da comunidade. Assim, trata-se de um modelo de desenvolvimento
social a partir da base da estrutura social (bottom-up development),
exatamente o oposto do que sempre foi feito na região
semiárida do Nordeste brasileiro (top-down development).
O modelo de desenvolvimento a partir
da base da estrutura social fornece ajuda para o desenvolvimento
da autocapacidade de auto-ajuda. Não se fala aqui em
presentes, mas em empréstimos que se tornam um incentivo
para o rompimento da barreira da pobreza estrutural. Tem-se
aqui a resposta à preocupação do banqueiro
quanto aos ativos ou à futura liquidez do devedor:
a segurança encontra-se na força de vontade
de vencer, de tomar as rédeas do próprio destino
nas mãos e subjugar as circunstâncias adversas.
Os juros servem de incentivo. Algo, por exemplo, nota-se de
passagem, que nunca foi oferecido à massa escrava brasileira
após quatrocentos anos de animalização.
De acordo com a experiência
do “Banco da Comunidade”, a mulheres são
mais bem-sucedidas do que os homens no que diz respeito à
melhor utilização do empréstimo bancário,
pois elas estão acostumadas a administrar uma renda
familiar que sempre foi parquíssima. Pode-se dizer
que elas são gerentes naturais da precariedade, num
sentido positivo.
Torna-se claro, a essas alturas, que
o programa do senhor Maomé Yunus difere completamente
do conceito e política de ajuda de desenvolvimento
praticada pela maioria dos países ricos ocidentais,
pois ele abre ou oferece uma perspectiva concreta de superação
da pobreza para o homem simples do povo. Por outro lado, os
depósitos pecuniários dos países ricos
perdem-se nas malhas corruptas da burocracia estatal dos países
pobres do chamado Terceiro Mundo, nunca alcançando
as comunidades necessitadas, retornando aos centros financeiros
da “metrópole” em forma de conta pessoal
ou em nome de parentes.
É interessante frisar aqui
que o projeto “Banco da Comunidade” tem fundamentação
teórica no trabalho do economista Armatyr Senn, o qual
pesquisou as causas da grande fome em seu país em 1974
e chegou à conclusão de que a ajuda de desenvolvimento
dos países ricos, em sua forma tradicional, era falsa.
Armatyr Seen recebeu o Prémio Nobel de Economia em
1998 e é, por coincidência, também originário
de Bangladesh.
É lugar comum o fato de que
a oferta de ajuda financeira em si para aqueles que historica
e estruturalmente sempre foram desfavorecidos, sem qualquer
incentivo à auto-ajuda, sedimenta a situação
de pobreza. A iniciativa do Sr. Maomé Yunus é
extraordinária e merece imitação, levando-se
em consideração as peculiaridades de cada país
e cultura. Ela mostra de forma límpida que qualquer
forma de ajuda financeira por si nada resolve, se as potencialidades
positivas (Capital Humano) do recebedor não podem ser
desenvolvidas adequadamente.
Poder-se-ia afirmar que a agenda
político-social do PT, ao beneficiar as médias
e pequenas empresas, no âmbito dos Programas Primeiro
Emprego, Fome Zero e Renda Mínima, de combate ao desemprego
urbano e à pobreza urbano-rural, Saúde da Família,
Economia Popular e Solidária, ou, ainda, o incentivo
à organização económica dos excluídos
(membros do ‘Precariado’, na terminologia sociológica
europeia), assemelha-se à filosofia de desenvolvimento
social do senhor Maomé Yunus ou do economista Armatyr
Seen?”,
Francisco M. da Rocha
- tullius@europe.com
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