Começou
inseguro, voz trêmula; mas à medida que a platéia
percebia o nervosismo, aplaudiam mais forte
O migrante nordestino Lourival Rodrigues já estava
aposentado, sempre se queixava de alguma dor no corpo e ficava
quase todo o dia trancado em casa, no Jardim Ibirapuera, um
daqueles cenários desolados na periferia da zona sul
-nada a ver, portanto, com o parque Ibirapuera. Foi quando
inesperadamente recebeu seu primeiro aplauso público.
Desde então, sua vida mudou, até parou de reclamar
de doença. O primeiro aplauso ocorreu por causa de
um verso. Lourival soube de um boteco na zona sul chamado
Bar do Zé Batidão onde se liam poesias. Entre
rappers, sambistas, pagodeiros e poetas, Lourival encheu-se
de coragem e leu seu texto. No meio da ovação,
uma mulher aproximou-se dele e esbravejou: "Você
arrasou". Ele olhou desconfiado: "Eu não
sabia que arrasar não era acabar com alguma coisa".
Os elogios tiveram um gosto de revanche íntima, não
só porque tiraram Lourival da invisibilidade mas também
porque o colocaram como um dos personagens de um documentário,
lançado na segunda-feira passada, sobre saraus na periferia.
Quando estava prestes a se aposentar, Lourival foi chamado
para declamar uma poesia na festa de final de ano da empresa
em que trabalhava como vigia. O pessoal estava mais interessado
no churrasco, na cerveja e na caipirinha. Não só
as palmas foram poucas -afinal, a poesia tinha de competir
com o barulho dos copos e das risadas-, como foram entremeadas
com algumas vaias e deboche de alguns bêbados. "Fiquei
um pouco triste." Sua rotina de aposentado queixoso mudou
quando lhe falaram do sarau no Bar do Zé Batidão,
organizado pela Cooperifa. Foi lá, com um papel no
bolso, e leu os versos. Começou inseguro, voz trêmula.
Mas à medida que a platéia percebia o nervosismo,
aplaudiam mais forte. "Eles sabem estimular a gente."
Ficou tão estimulado que, desde então, passou
a declamar sozinho poesia em cima da laje de sua casa de dois
dormitórios. "Assim ninguém reclama."
Por ser o mais velho da turma, Lourival foi adotado. "Ele
é nosso talismã", brinca Sérgio
Vaz, criador da cooperativa e organizador do sarau. Em meio
a vigias, motoristas, taxistas ou funileiros que se encantam
pela poesia, aparece Lourival no documentário "Povo
Lindo, Povo Inteligente", dirigido por Sérgio
Gagliardi e Maurício Falcão, sobre os saraus
da periferia. Mas seu grande momento está por chegar,
agora, aos 72 anos -algumas das poesias de Lourival serão
publicadas num livro. "Quem diria, virei autor."
PS: Coloquei abaixo as imagens dos aplausos para Lourival.
Vídeo:
Lorival
declama poesia e é aplaudido
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|