Em 1999 , Paulo Fridman caminhava
pela Vila Madalena e fotografou, na rua, uma velha senhora,
suja e malvestida, catadora de papéis, latas e plásticos.
Pediu a ela que escrevesse um texto que seria aplicado em
cima da foto. "Levei um susto", lembra o fotógrafo.
O texto era rebuscado, com o português impecável,
sobre a falta de ética no país, assinado, ao
final, da seguinte forma: Maria Augusta, 80 anos, ex-advogada
e ex-professora.
Paulo nunca mais viu essa senhora. "Nem faço idéia
se ainda está viva." A ex-professora deu-lhe uma
de suas melhores lições profissionais: o encanto
da descoberta de personagens anônimos. "Vou me
deparando com as mais incríveis histórias de
vida." Nunca mais parou de procurá-los, sempre
requisitando deles qualquer coisa escrita que considerassem
relevante para reproduzir em cima da foto. A experiência
foi batizada de "Retratos Falantes".
Obviamente não é por meio dos personagens anônimos,
muitos deles em favelas ou na periferia, que ele sobrevive.
Formado em fotografia nos Estados Unidos, Paulo presta serviços
a publicações como o jornal "The New York
Times" e as revistas "Der Spiegel" e "Time".
Antes de seguir essa carreira, fez curso de engenharia no
Mackenzie. "Pensava mesmo em ser músico."
Apesar disso, entrou numa empresa de engenharia civil; fotografar
era, até aquele momento, um hobby sem maiores pretensões.
Até que um amigo informou-o de que estavam procurando
urgentemente alguém para fotografar cenas de uma pornochanchada.
"Sem pensar, topei."
A pornochanchada mudou sua vida. Resolveu estudar fotografia
em Londres, mas, antes, passaria apenas uma semana de turismo
em Nova York. Não conseguiu deixar a cidade, onde se
matriculou num curso superior de fotografia. Tempos depois,
já no Brasil, um concurso levou-o a descobrir personagens
invisíveis, como Maria Augusta. "Queria que eles
falassem." Daí o recurso do texto, com a própria
letra deles, sobrepondo-se à imagem.
A exposição percorreu museus de São Paulo,
Londres e Nova York. Desde a semana passada, está na
estação de metrô da Vila Madalena -exatamente
o bairro em que ele recebeu a lição de rua da
professora Maria Augusta, para quem, conforme seu texto em
bom português, o Brasil não teria futuro por
causa dos "ladrões".
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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