Veguinaldo Rodrigues Filho - mais
conhecido como "Mestre Dinho"- resolveu levar a história da
Grécia Antiga para a favela Paraisópolis. Seu objetivo era
mostrar aos jovens alguns ensinamentos da filosofia para ajudá-los
a enfrentar problemas cotidianos. Mas como falar sobre Sócrates
e Platão no período noturno de uma escola de ensino médio
pública, quando alunos já estão cansados -quase todos trabalham
durante o dia- e a filosofia lhes parece algo confuso e sem
nenhuma conexão com a realidade? "Uma boa provocação estava
logo ali do lado, o estádio do Morumbi", apostou Dinho.
Cientista social e filósofo formado na PUC, Mestre Dinho
aprendeu, naquela favela, que a cultura clássica consegue
ser absorvida por crianças e jovens desde que esse conhecimento
faça sentido prático em suas vidas. Percussionista (daí vem
o título de mestre), ele conduz projetos culturais em Paraisópolis,
onde experimentou, por exemplo, a mistura do samba com ritmos
tradicionais da Espanha -o colégio espanhol Miguel de Cervantes
é vizinho da Paraisópolis favela e dá aula de dança flamenca
na favela.
Para ajudar na compreensão da filosofia dos pensadores gregos,
Dinho levou os estudantes para a sala de informática da escola.
Fez com que, navegando pela internet, vissem imagens dos estádios
construídos na Grécia e contou como eles eram utilizados.
As festas religiosas, em devoção aos deuses, abrigavam competições
esportivas, teatro e poesia. Daí se ergueu uma ponte entre
o Morumbi e Atenas, numa viagem de cerca de 2.500 anos.
A noção de Ágora, praça em que se tomavam decisões políticas
na Grécia, foi o pretexto para que os estudantes circulassem
pelas redondezas e discutissem sobre o significado de espaço
público. Uma das mais óbvias lições estava no próprio nome
da favela, cujo significado é Cidade do Paraíso. "Pode-se
mostrar como os conceitos de cidadania nascem com as cidades
gregas." Civitas é a tradução do grego Pólis e está na raiz
das palavras cidade e cidadania.
Como Paraisópolis é vizinha do opulento bairro do Morumbi,
tão próximos geograficamente e tão distantes economicamente,
os debates sobre a democracia da Grécia Antiga podem ser estimulados.
"Basta apenas olhar a paisagem da desigualdade para relacionar
o que acontece hoje numa favela com os debates na Grécia sobre
cidadania e justiça."
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
na editoria Cotidiano.
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