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São quatro sinais perturbadores
sobre a ignorância política dos brasileiros,
detectados em pesquisas de opinião pública divulgadas
recentemente:
1) Apenas 16% dos eleitores, segundo o Ibope, recordam-se
do mensalão, um tema que não sai do noticiário
desde o final de junho de 2005. O mensalão gerou uma
das maiores crises políticas do país e, na semana
passada, fez com que o procurador-geral da República
apontasse 40 pessoas, muitas delas até há pouco
tempo no comando do PT ou do governo Lula, como parte de uma
"quadrilha";
2) O Datafolha descobriu que 77% dos paulistanos não
sabem quem é Gilberto Kassab, um dos personagens mais
polêmicos -e citado em todos os debates- na sucessão
municipal em 2004;
3) Apenas 20% dos brasileiros, segundo pesquisa CNT/Sensus,
conhecem a norma da verticalização. Essa norma
obriga os partidos que lançarem candidatos a presidente
a não contrariar, no plano estadual, as alianças
federais. Tal obrigação é fundamental
para entender as chances dos candidatos a presidente e a governador;
4) Só 9% dos paulistas, constatou o Datafolha, sabem
que o nome do novo governador de São Paulo é
Cláudio Lembo.
Esses dados incomodam especialmente porque o Brasil já
recuperou há muito tempo todos os seus direitos políticos,
e as eleições livres são rotineiras.
Nos últimos 20 anos, a escolaridade do brasileiro vem
crescendo. Na cidade de São Paulo, por exemplo, onde
o eleitor não sabe quem é Kassab, cerca de 85%
das pessoas até 25 anos têm diploma de ensino
médio.
Aprofundou-se a democracia, melhorou-se a taxa de escolaridade
e expandiu-se o acesso à informação graças
às novas tecnologias. Por que, então, tão
pouca gente presta atenção na política,
algo tão fundamental no cotidiano dos indivíduos,
que influencia a geração de emprego, o valor
dos salários, a qualidade da educação,
os transportes públicos, os programas assistenciais?
Diante dessas questões, olhamos logo para as salas
de aula e ficamos à espera do dia em que a educação
vai melhorar e os leitores entenderão enfim as notícias
que publicamos. Na quarta-feira passada, um dado divulgado
pelo IBGE reforçou esse olhar: 53,3% de jovens entre
18 e 24 anos ( 73% no Nordeste) matriculados no ensino fundamental,
quando deveriam, pela faixa etária, estar cursando
uma faculdade. Faça-se um teste e se verá que
muitos deles não entendem o que lêem.
Mas o problema não pára aí. Nós,
comunicadores, não estamos conseguindo traduzir o funcionamento
do poder e sua relação com os interesses imediatos
do cidadão. Pergunto-me se o fato de vivermos no mundo
do poder, cheio de celebridades e de personalidades, longe
dos cidadãos comuns, não nos dificulta fazer
essa tradução.
Pergunto-me também se o fato de a imprensa veicular
um número muitas vezes maior de denúncias e
críticas do que de reconhecimento de fatos positivos
-e há muitos deles, claro- não acaba produzindo
a sensação de que a política é
desprezível. E, por ser desprezível, não
merece atenção. Todos esses episódios
em torno da corrupção, acrescidos das denúncias
do procurador-geral da República, revelam uma sociedade
cada vez mais armada para se proteger, num notável
sinal de vitalidade. Será que estamos informando sobre
esse avanço, fruto do aprofundamento democrático,
ou passando a imagem de que político não tem
jeito e todos são iguais?
As notícias políticas chamam a atenção
quando produzem shows, como é o caso dos escândalos
e dos embates eleitorais. Geralmente, achamos, nas redações,
que, por mais que nos esforcemos, o debate sobre programas
é chato, aborrecedor, ninguém se interessa,
e acabamos nos rendendo ao show.
Talvez seja mesmo chato. Mas, no final, o resultado está
aí, na cara de todos: o desinteresse pela política
e a capacidade de o cidadão comum estabelecer uma ponte
entre o que ocorre no poder e seus interesses. Daí
para a descrença na democracia é um pulo.
É duro admitir essa suspeita. Mas, talvez, na chamada
"era do conhecimento", nós, jornalistas,
estejamos produzindo mais barulho do que informação
-e, assim, ficando menos relevantes.
Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir
diante do fato de que, apesar de tanto barulho, ninguém
se lembra do mensalão.
P.S. - Por falar em ignorância e em pesquisas. Atribui-se
parte da vantagem eleitoral de Lula ao fato de que as pessoas
não prestam atenção aos escândalos
e, se prestam, logo esquecem. Uma outra pesquisa do Ibope
traz mais uma perturbadora hipótese -a conivência
com a corrupção. Indagados sobre se tirariam
algum proveito indevido do poder caso tivessem algum cargo
público, 60% dos entrevistados afirmaram que empregariam
familiares e 43% que aproveitariam viagens oficiais para lazer.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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