Feitas as fantasias, ensaiado o
samba-enredo e treinados os músicos, faltava apenas dar o
nome ao bloco, no qual os carnavalescos são pacientes de programas
de saúde mental, seus familiares, psicólogos e psiquiatras.
Como freqüentam clínicas psiquiátricas públicas nos bairros
do Itaim Bibi e do Butantã - e o significado de tantã dispensa
explicações -, tiveram a bem-humorada idéia de batizar o grupo
de "Bibitantã". Ninguém poderia nem remotamente imaginar que,
naquele nome, haveria uma descoberta lingüística com jeito
de lenda.
A experiência de um cordão carnavalesco com doentes mentais
nasceu de uma parceria entre os centros de atendimento psiquiátricos
da prefeitura e o grupo Kolombolo Diá Piratininga. Além de
estudar as tradições musicais do samba em São Paulo, esse
grupo está gravando cantores e compositores da velha-guarda.
Renato Dias, T.Kaçula e Ligia Fernandes, pesquisadores do
Kolombolo, entusiasmaram-se com a possibilidade de criar,
com apoio de assistentes sociais e psiquiatras, um cordão
de carnaval com portadores de distúrbios mentais, inspirados
nas raízes culturais africanas em São Paulo. Levaram aos pacientes
oficinas de percussão, figurinos, adereços e coreografia.
"O cordão era como acontecia no Carnaval paulistano antes
de receber a influência das escolas do Rio", conta T.Kaçula.
Era visível o entusiasmo dos participantes não só com todo
o aspecto lúdico do Carnaval, com suas cores, sons e ritmos,
mas também com a chance de inclusão. "A cada ensaio o entusiasmo
crescia", conta Roberto Dias.
Na hora do batismo do cordão de Carnaval, a maioria dos nomes
sugeridos eram óbvios. Nem podia ser muito sério e, assim,
contrastar com o clima de brincadeira, nem debochado, para
não reforçar o estigma da loucura. Até que veio o bem-humorado
Bibitantã. "Todos gostaram de cara", lembra Ligia Fernandes.
Tempos depois, veio a descoberta. Como o Kolombolo estuda
raízes culturais, acabaram sabendo que, em tupi-guarani, Bibitantã
poderia ser traduzido por "balanço e firmeza". O que, por
feliz coincidência, traduzia toda a experiência.
Todos tiveram mesmo de ser firmes para enfrentar os preconceitos
e colocar aquele balanço na rua. No sábado passado, o cordão
desfilou no centro e, na próxima sexta-feira, vai se apresentar
pelas ruas do Itaim Bibi, um dos bairros mais sofisticados
de São Paulo, cantando o seguinte refrão: "Somos loucos por
samba".
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
na editoria Cotidiano.
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