Na quarta-feira passada, às 12h38,
o professor de matemática Ivan Francisco Xavier tinha lágrimas
nos olhos enquanto lia na tela do computador um e-mail informando
que Edson Mesquita, um de seus ex-alunos, entrara na Poli,
o curso de engenharia da Universidade de São Paulo. "Estou
chorando de alegria pelo meu garoto, que tanto me ensinou",
escreveu na resposta ao comunicado.
Em 2002, a possibilidade de Edson atingir tal façanha parecia,
na melhor das hipóteses, mínima. Criado sem pai e filho de
uma faxineira, estudava na rede pública em Parelheiros, uma
das regiões mais pobres e violentas da cidade de São Paulo.
Estatisticamente, era mais provável, sem nenhum exagero, que
morresse assassinado do que passasse no vestibular da Poli.
Ivan impressionava-se com o talento matemático de seu aluno
e temia que fosse desperdiçado. Disparou e-mails para conseguir-lhe
bolsa num colégio particular. "Nada iremos acrescentar para
este aluno, por mais que nós, professores, tentemos colaborar
com uma boa educação", escreveu, resignado.
O resultado dessa história, naquela quarta-feira, faz parte
da pior matemática brasileira -mas, ao mesmo tempo, dá uma
dica sobre como trocar a subtração pela adição.
Para ganhar a bolsa, Edson teve de se submeter ao exame de
uma tradicional instituição paulistana (Bandeirantes), onde
a mensalidade é R$ 1.200. Deu certo. Começava mais uma batalha.
Ficava boa parte de seu dia num ônibus e aproveitava esse
tempo para ler; os professores o ajudavam com a passagem e
dinheiro para a merenda. Nos finais de semana, estudava inglês,
com uma bolsa na Cultura Inglesa.
"Não faço isso como obrigação, mas por prazer." Ao saber
do resultado do vestibular, ele obviamente ficou satisfeito.
Mas queria mais. "Vou continuar batalhando para entrar no
ITA", disse, referindo-se ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica.
Não há dúvida de que, em nossa matemática social, o grande
déficit brasileiro é causado pelo desperdício de recursos
humanos. Imagine quantos jovens como Edson, dotados de inteligência
especial, deixam de prosperar por falta de oportunidade. Na
semana passada, uma única linha, perdida numa gigantesca lista
divulgada na internet, comprovou o efeito Edson. A linha refere-se
ao colégio Juarez Wanderley, onde todos os alunos foram selecionados
em escolas públicas.
Lançada pelo Ministério da Educação, a lista revela o desempenho
de alunos nas provas do Enem, que não mede decoreba, mas a
habilidade e competência para relacionar informações, juntando
temas aparentemente distantes como história e biologia.
Os estudantes do colégio Wanderley conseguiram chegar ao
topo da lista, vencendo, de longe, muitas das mais disputadas
instituições privadas. É um resultado ainda mais expressivo
do que o apresentado nos cursos técnicos estaduais e federais
de ensino médio, povoados pelas classes média e alta.
A explicação: esse colégio de ensino médio, em São José dos
Campos, é mantido pela Embraer, que resolveu fazer dali um
centro de excelência, selecionando os melhores alunos apenas
da rede pública da região.
Não é sensato pedir que os governos estaduais universalizem,
a curto ou mesmo médio prazo, a experiência da Embraer. Mas
vale refletir se não seria melhor disseminá-la, no sistema
público de ensino, em pequena escala como laboratórios de
testes pedagógicos e centros de formação de professores. Além
disso, seria uma alternativa às cotas universitárias. Está-se
discutindo, no Congresso, reservar 50% das vagas nas universidades
federais para os cotistas.
Faz muito mais sentido criar centros de excelência para os
melhores alunos da rede pública como Edson -e, assim, colocá-los
nos cursos mais disputados- do que oferecer cotas, orientadas
nem sempre pelo critério do mérito.
Muitos poderão pensar que essa é uma proposta elitista -
e, de certo forma, é mesmo. Afinal, apenas uma minoria seria
beneficiada. Mas também é um mecanismo de democratizar o acesso
dos mais pobres aos cursos dominados pela elite, que tem condições
de pagar uma mensalidade de R$ 1.200. É o que custava um ano
de Edson na escola de Parelheiros.
P.S. - É impressionante a garra dos alunos de escola pública
que conseguem entrar nas melhores universidades. A Unicamp
comparou as notas e percebeu que muitos deles, depois de certo
tempo, superaram os que vieram das particulares. Ou seja,
o vestibular pode selecionar os melhores fazedores de testes,
mas não necessariamente os melhores alunos.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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