Formado em música e informática,
Denilson Shikako, de 29 anos, resolveu transformar o assassinato
do pai por assaltantes, em 2000, num luto produtivo. Com a
ajuda de amigos, familiares e pequenos empresários, ergueu
um centro cultural no Capão Redondo, uma das regiões mais
violentas de São Paulo, onde o pai nasceu e morreu baleado.
"Foi o jeito que encontrei para tentar lidar com a perda e
fazê-la, de algum jeito, um ganho." Os assassinos eram jovens.
Inspirado em experiências da Europa e dos Estados Unidos
para a descoberta de talentos, Denilson passou os últimos
seis anos angariando recursos para criar, no Capão Redondo,
zona sul de São Paulo, o que batizou de "fábrica de criatividade".
Na região, há uma absoluta falta de opções culturais; a imensa
maioria dos jovens, por exemplo, nunca foi sequer ao cinema.
Em meio à paisagem sombria e cinzenta, o prédio, em forma
de uma pequena fábrica antiga, exibe cores fortes. A porta
de entrada é feita de bolas de gude e o piso utiliza sobras
de garrafa. As paredes dos banheiros, onde sempre existem
canetas hidrográficas à disposição, são lousas de cerâmica
para que as pessoas se manifestem livremente, compartilhando
pensamentos. A chaminé serve como mirante. São oferecidas
aulas de música e de artes plásticas, de história em quadrinhos,
passando pelo grafite, até animação em três dimensões. Há
uma orquestra que usa sucata para ensinar música erudita.
O problema é que a contabilidade de Denilson desafinou. Ele
calculou que as mensalidades sustentariam o projeto. Com as
sobras, se ofereceriam bolsas. Exatamente ao lado da "fábrica",
existe uma escola estadual e, a poucos metros, uma municipal.
Boa parte dos estudantes não tem o que fazer depois da aulas.
"Quem não gosta de aprender a se expressar pela arte?" Antes
de partir para a empreitada, Denilson mantinha uma pequena
escola de música na garagem de sua casa, mas sua sobrevivência
vinha mesmo da informática. Resolveu dedicar-se ao centro
cultural. No final do ano passado, viu-se obrigado a vender
um carro e a esvaziar a sua poupança. Está batendo de porta
em porta e ainda não sabe como pagar as dívidas que começam
a se avolumar. "Não sei o que fazer." Nesse momento, assiste
ao projeto morrer com uma sensação de impotência que o remete
à imagem do pai atingido por uma bala no coração.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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