Quando era menino, Walter Mancini tinha o estranho hábito de limpar, sem que
ninguém lhe pedisse, a rua da vila em que morava, no Brás.
Varria a calçada, arrancava a grama e chegava até mesmo a
lustrar os paralelepípedos. Ali era seu cenário cotidiano
de brincadeiras. Especializou-se na arte de fazer piões e
na confecção de pipas, expostas na janela de sua pequena casa
para ganhar alguns trocados. "A rua era minha sala de estar."
Filho de uma família humilde ("uma das dores da minha mãe
é que ela não sabia escrever meu nome"), Mancini começou a
ganhar fama na gastronomia paulistana ao atrair dezenas de
milhares de clientes para seus restaurantes, todos numa única
rua -a Avanhandava, na região central.
Conseguiu prosperar, apesar da decadência que se abateu,
especialmente nos anos 80, sobre as imediações. "Diziam que
o centro estava condenado e não tinha mais jeito." Seu principal
projeto agora não é culinário, mas urbanístico.
Conseguiu patrocínio para fazer da Avanhandava um modelo
para a cidade, com calçadas largas e até um sistema de drenagem
especial para evitar enchentes. Reproduzindo o aspecto da
vila da sua infância decidiu instalar um pórtico na entrada
da rua.
Não é, evidentemente, apenas uma experiência comunitária.
Ele sabe que tais modificações significam também mais clientes
-e o patrocinador sabe que a exposição da marca terá retorno.
"Quem não vai gostar de caminhar por uma calçada larga e bonita?"
Para atrair mais gente, resolveu fazer ali uma galeria de
arte e um piano-bar tradicional.
Mas o encanto do menino seduzido pelas ruas estará de volta.
Ele vai oferecer um ônibus para que as crianças possam visitar
os pontos históricos das imediações, como o Pátio do Colégio.
"As crianças de hoje não conhecem nem querem conhecer o centro."
Mas seu projeto mais ambicioso é uma escola da pizza. A idéia
é que, nas tardes, meninos e meninas possam aprender, num
de seus restaurantes, sobre os segredos da pizza. "Fico imaginando
as dezenas de milhares de crianças vindo aqui na rua para
se encantarem com a culinária."
Pelo menos uma atração, no dia da inauguração do projeto
-prevista para este semestre- trará de volta as imagens das
brincadeiras da vila no Brás. Mancini quer que, naquele dia,
ocorra uma exibição de jogadores de pião. Só tem uma dúvida
-não sabe se vai conseguir encontrá-los, afinal, há muito
tempo, esse esporte sumiu das ruas.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
|