Um grupo de bilionários americanos
coletou até o final do ano passado cerca de R$ 1 bilhão apenas
para ser aplicado na melhoria das escolas públicas da cidade
de Nova York, cujo orçamento anual só para a educação é de
R$ 35 bilhões. Isso é mais do que o dobro de todo o Orçamento
da Prefeitura de São Paulo. Essa comparação mostra dramaticamente
a fragilidade brasileira como nação.
Boa parte de recursos extras coletados de indivíduos e empresas
para a educação pública dos nova-iorquinos foi drenada para
experiências educacionais. Com esse fundo, pretende-se estimular,
por exemplo, a criação de pequenas escolas (muitos acreditam,
e estão certos, que unidades menores ajudam mais os alunos
de famílias pobres). Pretende-se também estimular as chamadas
"charters schools", que são escolas públicas geridas com autonomia
pela comunidade, mediante a fixação de metas, cujos resultados
têm sido, nos últimos anos, estimulantes. Parte do dinheiro
é usado apenas para lançar um centro específico para a formação
de diretores escolares, um investimento que tem se revelado
de alto retorno.
Ao justificarem por que estão ajudando as escolas públicas,
os doadores explicam, entre outras razões, que se preocupam
com o futuro da cidade em que vivem, da qual depende a qualidade
de seus trabalhadores para se manter competitiva. Notem que
todos os alunos estudam em período integral (o custo mensal
por aluno é de R$ 1.200) e muitos deles recebem algum tipo
de apoio além do período regular escolar. Isso sem contar
as infindáveis alternativas educacionais em museus, teatros,
centros esportivos, centros de saúde, fora da escola.
O dinheiro alavancado dos bilionários nova-iorquinos reflete
uma visão sobre a importância do capital humano na geração
de riquezas e o engajamento das elites em sua própria comunidade.
Mas reflete também um político. No caso, o prefeito de Nova
York, Michael Bloomberg -ele próprio integrante do clube de
bilionários e contumaz doador-, que fez da educação a prioridade
das prioridades de sua gestão. Ele disse o seguinte: "Quero
ser julgado pelo desempenho escolar dos alunos". Sinceramente,
não consigo perceber nada mais contemporâneo do que esse tipo
de gesto, por assumir a percepção de como se forma a riqueza
na era do conhecimento e como transformá-la em política pública.
A partir dessa prioridade, foram criados ou intensificados
os mais diferentes programas, como aumentar o número de aulas
de arte nas escolas, treinar mais os professores, desenvolver
um centro apenas para educar diretores de escolas. Lançaram-se
medidas para aprimorar a transparência gerencial das escolas,
o que acabou por atrair os doadores privados interessados
em saber como seu dinheiro está sendo usado.
O resultado é o seguinte: Bloomberg se reelegeu (sua aprovação
está acima dos 70%) e já ensaia um movimento, ainda incipiente,
para lhe dar um terceiro mandato, o que exigiria mudar a legislação
eleitoral. O que mostra que, ao contrário do que imaginam
nossos políticos, educação dá votos.
Por trás desse movimento educacional, há mais um dado que
merece a atenção: a cidade é tratada como uma nação. Bloomberg
afirma que só quer ser prefeito de Nova York e que não tem
outra aspiração. Comparemos com São Paulo, nossa maior cidade,
em que o prefeito só tem um ano de mandato e só se fala nele
como candidato à Presidência; enquanto o vereador mais votado,
em seu primeiro mandato, é candidato a governador.
O resultado em Nova York se vê literalmente nas ruas -o crime
não pára de cair há 12 anos. Em 2005, foram cometidos 534
assassinatos, um patamar que não se via desde 1963, gerando
um círculo virtuoso de estímulo aos negócios e à geração de
empregos, que, por sua vez, acabam por ajudar a combater a
violência. Aumenta cada vez mais o número de turistas.
Se quiser, caro leitor, entender esses números, nem é necessário
ir tão longe. Apontado como a região mais violenta do mundo,
o Jardim Ângela, em São Paulo, derrubou o nível de homicídios
integrando políticas públicas com a comunidade, num exemplo
de engenharia social. Ali também a escola, encarada como um
centro de convivência, exerce papel fundamental contra a selvageria.
Nisso reside um olhar para o micro, não só para o macro.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
|