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REFLEXÃO


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folha de s.Paulo
09/01/2006
A escola dos bilionários

Um grupo de bilionários americanos coletou até o final do ano passado cerca de R$ 1 bilhão apenas para ser aplicado na melhoria das escolas públicas da cidade de Nova York, cujo orçamento anual só para a educação é de R$ 35 bilhões. Isso é mais do que o dobro de todo o Orçamento da Prefeitura de São Paulo. Essa comparação mostra dramaticamente a fragilidade brasileira como nação.

Boa parte de recursos extras coletados de indivíduos e empresas para a educação pública dos nova-iorquinos foi drenada para experiências educacionais. Com esse fundo, pretende-se estimular, por exemplo, a criação de pequenas escolas (muitos acreditam, e estão certos, que unidades menores ajudam mais os alunos de famílias pobres). Pretende-se também estimular as chamadas "charters schools", que são escolas públicas geridas com autonomia pela comunidade, mediante a fixação de metas, cujos resultados têm sido, nos últimos anos, estimulantes. Parte do dinheiro é usado apenas para lançar um centro específico para a formação de diretores escolares, um investimento que tem se revelado de alto retorno.

Ao justificarem por que estão ajudando as escolas públicas, os doadores explicam, entre outras razões, que se preocupam com o futuro da cidade em que vivem, da qual depende a qualidade de seus trabalhadores para se manter competitiva. Notem que todos os alunos estudam em período integral (o custo mensal por aluno é de R$ 1.200) e muitos deles recebem algum tipo de apoio além do período regular escolar. Isso sem contar as infindáveis alternativas educacionais em museus, teatros, centros esportivos, centros de saúde, fora da escola.

O dinheiro alavancado dos bilionários nova-iorquinos reflete uma visão sobre a importância do capital humano na geração de riquezas e o engajamento das elites em sua própria comunidade. Mas reflete também um político. No caso, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg -ele próprio integrante do clube de bilionários e contumaz doador-, que fez da educação a prioridade das prioridades de sua gestão. Ele disse o seguinte: "Quero ser julgado pelo desempenho escolar dos alunos". Sinceramente, não consigo perceber nada mais contemporâneo do que esse tipo de gesto, por assumir a percepção de como se forma a riqueza na era do conhecimento e como transformá-la em política pública.

A partir dessa prioridade, foram criados ou intensificados os mais diferentes programas, como aumentar o número de aulas de arte nas escolas, treinar mais os professores, desenvolver um centro apenas para educar diretores de escolas. Lançaram-se medidas para aprimorar a transparência gerencial das escolas, o que acabou por atrair os doadores privados interessados em saber como seu dinheiro está sendo usado.

O resultado é o seguinte: Bloomberg se reelegeu (sua aprovação está acima dos 70%) e já ensaia um movimento, ainda incipiente, para lhe dar um terceiro mandato, o que exigiria mudar a legislação eleitoral. O que mostra que, ao contrário do que imaginam nossos políticos, educação dá votos.

Por trás desse movimento educacional, há mais um dado que merece a atenção: a cidade é tratada como uma nação. Bloomberg afirma que só quer ser prefeito de Nova York e que não tem outra aspiração. Comparemos com São Paulo, nossa maior cidade, em que o prefeito só tem um ano de mandato e só se fala nele como candidato à Presidência; enquanto o vereador mais votado, em seu primeiro mandato, é candidato a governador.

O resultado em Nova York se vê literalmente nas ruas -o crime não pára de cair há 12 anos. Em 2005, foram cometidos 534 assassinatos, um patamar que não se via desde 1963, gerando um círculo virtuoso de estímulo aos negócios e à geração de empregos, que, por sua vez, acabam por ajudar a combater a violência. Aumenta cada vez mais o número de turistas.

Se quiser, caro leitor, entender esses números, nem é necessário ir tão longe. Apontado como a região mais violenta do mundo, o Jardim Ângela, em São Paulo, derrubou o nível de homicídios integrando políticas públicas com a comunidade, num exemplo de engenharia social. Ali também a escola, encarada como um centro de convivência, exerce papel fundamental contra a selvageria. Nisso reside um olhar para o micro, não só para o macro.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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