Dono de uma pequena oficina de molduras de quadros, em Vila Cosmopolita, na
zona leste, Valdir Nascimento estava atolado em dívidas e
não sabia como saldá-las, quando decidiu investir num violino
-o que, para alguns familiares, pareceu um gesto insensato.
Amanhã à noite, no imponente teatro São Pedro, na Barra Funda,
ele vai ouvir os sons daquele instrumento, extraídos por um
jovem tímido, magro e negro, cujo apelido é Robinho, numa
referência ao jogador de futebol. "A dívida valeu a pena."
O violinista é Danilo Anselmo Caitano Nascimento, filho de
Valdir, 17 anos, que, pela primeira vez, estará participando
de um concerto em que os ingressos serão cobrados. Não é em
todos os lugares que Danilo consegue receber aplausos. "Nunca
toquei em minha escola. Os meninos iam me linchar", brinca.
"Muita gente lá acha estranho alguém tocando violino." Em
1999, Danilo ingressou no disputado Centro de Estudos Musicais
Tom Jobim, o que exigia, além dos ensaios em casa, mais três
horas no trânsito. "Isso quando não tem um congestionamento
maior."
Mas exigia, antes de mais nada, um violino profissional.
"Achei que, naquele momento, o violino era mais importante
do que comida", lembra-se Valdir. Estava certo.
Danilo acabou na classe de Ênio Antunes, violinista da Orquestra
Sinfônica Municipal de São Paulo e da Bachiana Chamber Orchestra.
"Dava para ver que o garoto tinha talento", conta Ênio. Para
compensar a defasagem cultural de alguns de seus alunos e
evitar que repetissem o ano, Ênio criou uma orquestra de câmara
para que eles pudessem, na horas vagas, se aprimorar. O que
era um exercício amador virou projeto: a orquestra, na qual
Danilo faz solos de Mozart e Vivaldi, começou a se apresentar
regularmente. Pela primeira vez terão de ficar, amanhã, com
a atenção dividida entre as partituras e as notas da bilheteria.
"Estamos todos nervosos", admite Ênio. A expectativa é menos
pelo desempenho no palco; é com o risco comercial. Não sabem
se conseguirão pagar as despesas da apresentação, a começar
do aluguel do teatro. Danilo está correndo o risco de participar
de sua segunda dívida por causa da música. Pelo jeito, se
ocorrer, terá valido a pena -no mínimo, por ver, do palco,
o orgulho de Valdir, sentado na platéia.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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