Foi o pior ano da vida de Raquel
Pacheco, uma adolescente de classe média. Em 2003, estava
brigada com os pais -nem sequer se falavam-, sua melhor amiga
havia morrido de overdose, não tinha namorado e vendia o corpo
para se sustentar. A maconha, a cocaína e os antidepressivos
aliviavam-lhe a dor. Mas, logo em seguida, o desconforto voltava
mais forte. Precisava desabafar, mas estava sozinha. Inventou
um nome de guerra (Bruna Surfistinha) e começou a escrever
um blog no dia primeiro de janeiro de 2004. "Fazer o diário
virtual foi o jeito que encontrei para enfrentar a solidão."
Contava em detalhes as aventuras de uma garota de programa
de classe média. "Muita gente achava que era mentira." Entre
os leitores, surgiram editores com faro profissional que fizeram
da intimidade de Raquel o best-seller "O Doce Veneno do Escorpião".
Em determinados dias, o blog obteve 100 mil visitas.
Para medir o que essa audiência significa, basta saber que,
na semana passada, o Ibope divulgou o ranking dos blogs de
colunistas políticos. Nos primeiros lugares, pela ordem, estão
Fernando Rodrigues, Josias de Souza e Ricardo Noblat. Todos
veteranos, premiados, conhecem profundamente os bastidores
do poder, destacam-se em portais de alta visibilidade.
Favorecem-se do fato de que a crise, gigantesca e sem fim,
aumentou o interesse pelos porões de Brasília.
A nossa Surfistinha, de 21 anos, ensino médio incompleto
-"era mais fácil, para mim, virar escritora do que ler um
livro"-, ficaria muito bem se, por uma hipótese absurda, entrasse
naquele ranking de cronistas políticos. Estaria quase empatada
em segundo lugar.
Sucesso midiático, Raquel é um dos personagens da geração
perdida de jovens, detectada em pesquisa, divulgada na semana
passada, sobre os novos consumidores. Dali se extrai uma dica
sobre o futuro do jornalismo.
A geração perdida se refere à experiência de comunicação
-e não a sexual- que levou ao estrelado internáutico de Bruna
Surfistinha. Sem o fenômeno do blog, ela provavelmente ainda
estaria no anonimato.
Para traçar um perfil dos novos consumidores, o Núcleo Jovem
da editora Abril entrevistou brasileiros de oito a 24 anos,
das classes A e B, e detectou os efeitos do excesso de informação.
Os jovens se sentem perdidos, bombardeados por todos os lados.
A chamada era da informação, acelerada pela internet, em que
se disseminam sites, portais, e-mails, "orkuts", blogs, é,
para eles, também a era da confusão.
O resultado é uma crescente desconfiança sobre o que lêem,
assistem ou ouvem. O que demandam, segundo a pesquisa, não
é quantidade, mas qualidade. Ou seja, buscam filtros e não
encontram -para selecionar o que merece credibilidade. "Acabou
a festa da celebração da democratização da informação", afirmam
os técnicos responsáveis pela pesquisa.
O levantamento sugere o fim de um período de deslumbramento
em que todos, como Raquel, podem se fazer notados, graças
às tecnologias da comunicação. Para reagir à confusão, jornalistas
defendem a idéia de que o papel da imprensa deveria ser menos
o de transmitir notícias -afinal, estão em qualquer lugar
e a qualquer momento- mas o de contextualizá-las. Ou seja,
tornar ainda mais rigoroso o processo de seleção sobre o que
é relevante. Apenas se aprofundaria o principal papel do jornalismo,
que é o de servir de intermediário entre os fatos e o leitor,
o ouvinte ou o telespectador.
A novidade é que aumentar o rigor da seleção talvez já não
baste diante da avalanche de informação e da demanda de seleção
dos fatos. Por isso, está nascendo uma linguagem mesclando
comunicação e educação. Assim como o educador não pode descuidar
das novas tecnologias de informação -prosperam, por exemplo,
os cursos a distância-, o comunicador terá de ir além da clareza
das matérias. Com tamanha abundância de dados que embaralham
os consumidores de notícias, a imprensa será forçada, cada
vez mais, a acrescentar didatismo à clareza, disseminando
as sabatinas com personagens das mais diversas atividades
e realizando encontros, reais ou virtuais, para explicar o
que está acontecendo.
Por mais estranho que pareça, a Redação ganhará um jeito
de sala de aula. Educadores e comunicadores ficarão mais próximos,
no esforço de converter informação em conhecimento, dando-lhe
significado, transformada em algo útil para os indivíduos.
Essa é uma das lições do efeito midiático Bruna Surfistinha.
P.S. Uma das conclusões da pesquisa: uma parte dos jovens
das classes A e B, bombardeados por tanto apelo de consumo,
está mais ligada ao desejo de possuir do que propriamente
de usufruir o que adquiriram. Um dos entrevistados disse:
"Passei um tempão na loja, comprei milhares de coisas e depois
nem sei se usei tudo". Isso é uma espécie de veneno de escorpião.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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