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Um sinal da crise brasileira aparece
numa linha quase imperceptível no ranking, divulgado na semana
passada, dos cursos mais disputados da Universidade de São
Paulo. Essa linha mostra que cada vez menos jovens se sentem
atraídos para a profissão de engenheiro- é o que se vê na
relação candidato/vaga da Politécnica, uma instituição de
prestígio mundial.
Esse desinteresse está associado a décadas de baixo crescimento
econômico, acompanhado pelo sucateamento da infra-estrutura
como portos, aeroportos, estradas e usinas hidrelétricas.
Está associado também aos mais diversos obstáculos, a começar
dos impostos altos, para quem deseja produzir. Por conseqüência,
escassearam e pioraram os empregos no setor.
Tanto pode se perceber a crise social pela baixa aprovação
dos alunos de escolas públicas -e isso todos já sabem- como
pela preferência profissional dos estudantes. É grave, por
exemplo, o desinteresse por engenharia; afinal, essa categoria
é chave para o desenvolvimento econômico e, se não atrai os
melhores talentos, reduz a oportunidade de novos projetos.
A Politécnica está abaixo, no ranking, até mesmo de licenciatura
em química; licenciatura, como se sabe, não é exatamente das
áreas mais atrativas, uma vez que forma professores. Está
quase empatada com letras e não fica muito longe da filosofia.
Deve-se fazer a ressalva de que a Politécnica oferece mais
vagas do que muitos dos cursos que estão à sua frente e isso
altera a relação candidato/vaga. Mesmo levando em conta essa
diferença, a queda é contínua, visível, aliás, já no ensino
médio; escolas procuradas tradicionalmente por candidatos
a engenharia perceberam como os alunos optam por outras carreiras.
A pró-reitora de graduação da USP, Sônia Penin, avalia que
a escolha profissional dos alunos é baseada em alguns pontos:
empregabilidade, vocação, moda e prestígio. "Se faltam empregos
e os salários são baixos, é normal que a procura não seja
tão intensa", analisa.
O topo do ranking reflete o crescente apelo da comunicação,
sintoma da chamada sociedade de informação; o primeiro lugar
foi para publicidade. Está próximo de jornalismo e de audiovisual.
O curso de design foi lançado neste ano e estreou em quinto
lugar.
Também na frente, refletindo as mudanças do mercado e de comportamento
dos consumidores, aparecem relações internacionais (efeito
da globalização), educação física e fisioterapia (efeito do
envelhecimento da população e da tendência por vida mais saudável
ou do medo da obesidade). Num sinal das conquistas da mulher,
o segundo curso mais concorrido (54 candidatos por vaga) é
o de oficial feminino da Polícia Militar; uma relação cinco
vezes maior do que a da Politécnica.
Se a baixa procura pelos cursos de engenharia sinaliza a persistente
crise provocada pelo baixo crescimento, a crise social está
estampada na base do ranking. Entre os cursos menos procurados
estão as licenciaturas, responsáveis pela formação de professores.
Tão grave quanto a procura é a qualidade dos candidatos, muitos
dos quais só conseguem entrar numa universidade pública apenas
por essa porta e não demonstram nenhuma vocação para o magistério.
Segundo estatísticas oficiais, existe atualmente, na rede
pública, um déficit de 235 mil professores no ensino médio;
e mais 500 mil de quarta a oitava séries. O déficit é especialmente
agudo em matemática, física, química e biologia. Há dados
ainda piores -aliás, muito piores. Uma pesquisa da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação, realizada em dez Estados,
em todos os níveis e redes de ensino, indica que 53% dos professores
em atividade estão na faixa dos 40 aos 59 anos e 38,4% têm
entre 25 e 39 anos. Só 3% dos professores em atividade têm
entre 18 e 24 anos. Por isso se diz, ironicamente, que o professor
é uma espécie em extinção. E daí se entende, em parte, por
que somos uma nação de analfabetos e semi-analfabetos.
Fala-se muito, e em todos os lugares, em crescimento sustentável.
O ranking da Fuvest revela obstáculos para prosperidade de
uma nação. Um país em que as carreiras de magistério e de
engenharia não são atraentes sempre terá dificuldades de construir
um desenvolvimento econômico, social e político, seja por
não criar trabalhadores qualificados ou profissionais capazes
de adaptar e desenvolver novas tecnologias.
PS - Por essas e outras, uma das maiores obtusidades aparece
numa pesquisa divulgada na semana passada: cerca de 80% dos
alunos do ensino médio técnico da rede pública em São Paulo
conseguem emprego, a imensa maioria deles com carteira assinada.
Investir nesse segmento é tão importante quanto abrir vagas
em universidades -afinal, cria emprego e mão-de-obra qualificada.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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