Para deixar na cidade uma lembrança
à resistência contra regimes autoritários, Fernando Piola,
estudante de artes plásticas da USP, teve o privilégio de
montar seu ateliê num cubículo de nove metros quadrados na
frente de um lugar em que se enjaulavam e torturavam presos
políticos. Naquele cubículo, encravado na chamada "cracolândia",
alguns anos atrás prostitutas levavam seus clientes, mas o
que se vê hoje é uma profusão de plantas vermelhas, que servem
de inspiração para a obra.
Fernando foi um dos vencedores de um concurso de arte pública
cujo prêmio seria usar durante um ano, sem custos, um imóvel
de três andares reformado na região da Luz, batizado de Atelier
Amarelo. Localiza-se bem em frente ao ex-prédio do Deops,
onde hoje funciona a Estação Pinacoteca. Só poderiam ser apresentados
projetos que fizessem do entorno do bairro da Luz uma fonte
de inspiração. "A fonte de inspiração estava literalmente
na minha cara."
Na frente do ex-Deops, existe uma pracinha descuidada, sem
nenhum atrativo. "Mas eu não queria fazer um monumento na
praça. Queria que toda a praça se transformasse num monumento
horizontal." A partir de uma pesquisa, ele viu que a cor vermelha
esteve presente em vários movimentos transgressores e libertários.
Investigou plantas e árvores com flores vermelhas, capazes
de resistir à chuva e à poluição.
Em seu projeto, o prédio do Deops e a praça comporiam uma
paisagem integrada; as cores vermelhas ficariam ali em lembrança
aos sonhos libertários de resistentes políticos. Tudo está
pronto, os tipos de planta e árvore, mas Fernando vem recebendo
uma aula imprevista -e desagradável- sobre a arte pública
e a cidade de São Paulo. "Não está fácil."
Descobriu que teria de se submeter a um tortuoso caminho de
aprovações burocráticas e de preenchimento de formulários.
E, depois, ainda aguardar na fila para receber -isso se receber-
a autorização do poder público. Para fazer daquela praça um
monumento, vai depender mais do que seu talento, mas de sua
própria capacidade de resistir à burocracia. "Não sei se vou
conseguir." Se não conseguir, quem vai ficar na lembrança
é o seu monumento.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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