A ilustração
publicada hoje nesta coluna faz parte de uma dupla experiência
do designer e ilustrador Vincenzo Scarpellini. Profissionalmente,
ele se preocupa em transformar em arte o cotidiano das vítimas
de câncer. "Procuro extrair a beleza da dor."
Pessoalmente, está usando a arte para aprender a lidar
com sua própria dor, enquanto freqüenta sessões
de quimioterapia e aguarda o dia em que extirpem seu estômago.
Designer formado na Itália, Vincenzo é co-autor
desde o início da coluna "Urbanidade", cujo
principal ângulo é mostrar uma São Paulo
que, apesar da epidemia dos mais variados tipos de violência,
resiste muitas vezes em pequenos gestos de personagens anônimos.
De repente, ele próprio se viu personagem anônimo
num hospital, obrigado a aprender a resistir.
Vincenzo emagrecia há vários meses, mas estava
tranqüilo. Afinal, seguidos diagnósticos indicavam
que tudo não passava de uma gastrite. Os remédios
pareciam não fazer efeito. Perdeu 12 quilos. Até
que um professor da faculdade de medicina da Santa Casa -Antônio
Gonçalves- desconfiou de algo mais grave. Estava certo.
"Venho de uma família em que a palavra câncer
nem sequer era mencionada", recorda-se Vincenzo.
Iniciou o tratamento quimioterápico, a fim de se preparar
para a retirada do estômago. "Sei que é
um chavão, mas a gente sempre imagina que isso só
acontece com os outros."
Depois do baque psicológico e dos dias de pressão,
ele preferiu não se esconder. "Falar é
um jeito de enfrentar a doença." Decidiu ir além
das palavras. Freqüentando o cotidiano das vítimas
de câncer, ao receber os medicamentos no hospital, entrou
em uma dimensão que lhe era desconhecida. "É
um mundo paralelo, quase invisível." Vincenzo
-que, muitas vezes, desenha personagens anônimos- preferiu
não se render à invisibilidade da doença.
"Desenhar é a minha forma de reagir e aprender
com a dor."
Aprendeu que a dor ensina pouco. O que ensina mesmo, de acordo
com ele, é a luta pela sobrevivência. "É
a vontade de seguir em frente que mostra os nossos limites."
Encontrou, nessa descoberta, a beleza estética na resistência,
por exemplo, em um marido que estudou culinária para
cozinhar pratos especiais para sua mulher cujo estômago
foi arrancado -esse é o casal que aparece ao lado.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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