São Paulo está prestes a reciclar
uma serraria e transformá-la num museu dedicado à preservação
da natureza . A irônica reciclagem se deve a Frans Krajcberg,
de 84 anos, um dos mais famosos artistas plásticos brasileiros
que, aliás, tem dificuldade de vir para a cidade por causa
da natureza.
Não é fácil para ele se deslocar para São Paulo, e essa dificuldade
tem pouco a ver com a sua idade. Vive numa casa construída
em cima de uma árvore, com vista para o mar, em Nova Viçosa,
no sul da Bahia. É como se vivesse numa de suas próprias instalações
de arte, cercado por flores, pelos pássaros e pela brisa constante.
"Fico desnorteado no meio da barulheira e da agitação."
Apesar do incômodo, Krajcberg, polonês naturalizado brasileiro,
sente-se grato a São Paulo, que o recebeu em 1948, quando
a Europa estava destruída pela Segunda Guerra Mundial. O pintor
Marc Chagall ajudou-o a comprar uma passagem de terceira classe
de navio e deu-lhe uma carta de recomendação. "Fui acolhido
por muitos artistas."
Instalou-se em um pequeno apartamento no Bom Retiro, então
um bairro essencialmente de judeus, em que se ouviam nas ruas
o ídiche e o polonês. "Meu apartamento ficava próximo ao trilho
do trem e nunca me acostumei com a tremedeira." Naqueles tempos,
a cidade não tinha nem 30 mil automóveis e ainda se disputavam
torneios de natação no rio Tietê, nas proximidades do Bom
Retiro.
O primeiro grande reconhecimento de Krajcberg ocorreu, em
1951, na primeira Bienal de artes plásticas, hoje abrigada
no parque Ibirapuera. "São Paulo foi uma plataforma para minha
carreira." Uma plataforma de onde rumou para a notoriedade
internacional, devido à sua capacidade de fazer esculturas
a partir da destruição de árvores. Sua arte mescla-se à indignação.
"É uma loucura, estamos esgotando nossos recursos naturais."
Uma de suas obsessões se tornou a educação para evitar a destruição
do ambiente.
A gratidão com a que o acolheu e a preocupação em educar crianças
sobre preservação da natureza fizeram com que ele doasse para
São Paulo dezenas de suas obras. O que não sabia é que as
peças ficariam num galpão sem uso no Ibirapuera que, no passado,
produzia o pior dos barulhos para seus ouvidos: uma serraria.
Pelo menos, ali, as obras estarão para sempre no sossego da
natureza.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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