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Nenhuma categoria ganha tão
bem e consegue escapar tanto do desemprego como a dos profissionais
que cursaram pós-graduação -essa titulação
é uma das melhores garantias de independência
financeira.
Nos três primeiros lugares do ranking elaborado pelo
Centro de Políticas Sociais da Fundação
Getúlio Vargas, divulgado na quarta-feira, estão
os seguintes pós-graduados: médicos, administradores
de empresas e advogados. À medida que vai baixando
a escolaridade, caem os salários e aumentam os riscos
de desemprego.
Um médico com o máximo de titulação
ganha por mês, em média, R$ 8.900; se tiver apenas
graduação, o rendimento desce para R$ 6.700.
Ninguém tem um rendimento tão baixo e está
tão exposto ao desemprego quanto o analfabeto, acima
do qual aparece quem possui menos de quatro anos de escolaridade,
que, por sua vez, está abaixo daqueles com ensino fundamental
completo, superados pelos que detêm diploma de ensino
médio.
Desse ranking se percebe a regra de que o trabalhador vale,
em boa parte, o quanto estuda. Mas existe outra, não
explícita, sobre o valor, em dinheiro, do prazer.
Num país com um número tão pequeno de
estudantes universitários, o diploma de ensino superior
oferece um diferencial ainda maior. Pelo mesmo motivo se tornam
ainda mais atrativos os profissionais com mestrado e doutorado.
É gente que tende a apresentar melhores qualificações
-isso é apenas o óbvio.
Há, entretanto, um ingrediente que move muitos profissionais
que, depois da graduação, se dispõem
a ficar mais tempo numa universidade, muitas vezes acumulando
trabalho e estudo: a curiosidade.
Em geral, profissionais dispostos a aprender mais numa pós-graduação
não necessariamente calculam salários futuros.
Antes de mais nada, sabem o que querem, gostam de aprender,
estão mais abertos às novidades e acompanham,
mesmo nas horas livres, as mudanças. Quem gosta do
que faz tende a fazer melhor. Isso se encontra em qualquer
besteirol de auto-ajuda.
É óbvio que profissionais mais escolarizados
e, ainda por cima, motivados a aprender saem na frente na
disputa pelos melhores empregos.
O sistema educacional está despreparado para essa obviedade.
É perda de tempo entupir o aluno de informação.
O papel contemporâneo da escola, numa sociedade de mudanças
velozes, é gerenciar o prazer do conhecimento, levando
o estudante a desfrutar do maior número possível
de experiências para a descoberta do talento.
Se faz melhor quem gosta do que faz -e isso significa, em
essência, independência e satisfação
pessoal-, a melhor escola é aquela que ajuda o aluno
a encontrar sua vocação e transformá-la
em habilidade.
Daí que a escola é apenas um entre muitos espaços
de aprendizagem. Muitas vezes se atinge o prazer do conhecimento
longe, muito longe de uma sala de aula. O sabor da descoberta
se revela numa viagem, num filme, numa peça de teatro,
num museu. Às vezes em conversas com amigos ou familiares.
Está nesse fato, mais do que apenas no dinheiro, o
divisor de classes sociais, e essa é mais uma dica
que se extrai do ranking da Fundação Getúlio
Vargas. As crianças em boas escolas, estimuladas pelos
pais, com uma vivência cultural, desde cedo candidatam-se,
naturalmente, aos melhores empregos e salários. Parece,
mais uma vez, óbvio. Mas sua conseqüência
não é. Não adianta apenas oferecer escolas
de qualidade aos mais pobres (o que estamos longe de oferecer),
mas também atrair suas famílias para a educação
dos filhos e oferecer uma experimentação cultural
-a começar da literatura.
Aliás, essa é uma das conclusões de uma
ampla pesquisa realizada pelo economista Ricardo Paes de Barros,
com alunos de 3.000 escolas, na qual se percebe uma relação
entre as boas notas e o envolvimento familiar na educação
dos filhos.
Se alguém quiser tentar entender por que somos campeões
em má distribuição de renda, deve se
preocupar tanto com os indicadores da economia quanto com
o ranking das profissões, no qual o trabalhador vale
o quanto estuda num país em que a maioria, se estuda,
está em escolas de baixa qualidade.
P.S. - Quem leva o Brasil a sério é obrigado
a prestar atenção nos dados que serão
divulgados, na próxima quarta-feira, em seminário,
no Rio, sobre educação infantil. Serão
divulgadas detalhadas pesquisas internacionais mostrando,
por exemplo: quem esteve em creche e pré-escola aprendeu
melhor pelo resto da vida, está menos arriscado a ficar
desempregado e depender de assistência social. E, além
disso, menos propenso à delinqüência. A
má notícia no Brasil é que cerca de 11%
das crianças estão em creche. Mas existe uma
boa notícia: cerca de 65% estão na pré-escola
ou no ensino fundamental, matriculados aos seis anos de idade.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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