Se eu tivesse de fazer uma lista
com o nome dos 20 brasileiros mais habilitados, independentemente
da viabilidade eleitoral, a assumir a Presidência da República,
não teria dúvida de incluir José Serra -aliás, dificilmente
alguém com um mínimo de isenção e conhecimento sobre nossos
políticos o deixaria de fora dessa hipotética lista.
Os motivos são óbvios. Serra tem sólida formação acadêmica
e estuda sistematicamente os problemas do país. Integra um
partido de expressão nacional, com forte articulação no Congresso,
base no empresariado e prestígio nas classes médias urbanas.
Colecionou as mais diversas experiências em administrações
federal, estadual e, agora, municipal. Conheceu em detalhes
a vida parlamentar, em que atuou como deputado e senador.
Obteve avaliação positiva na maioria dos cargos que ocupou,
reconhecido, muitas vezes, por seus desafetos. Não se sabe,
pelo menos até aqui, de algum fato envolvendo-o em desvio
de dinheiro público.
O Datafolha mostrou, na quinta-feira passada, que, além de
habilitado técnica e politicamente, Serra é o favorito na
disputa presidencial. Mas, como escrevi no título desta coluna,
seu maior problema, capaz de inviabilizá-lo, é ser prefeito
de São Paulo. Se fosse prefeito de qualquer outra cidade ou
governador de qualquer Estado, mesmo em início de mandato,
talvez não enfrentasse tamanho dilema.
Serra enfrentou uma acirrada eleição contra Marta Suplicy,
que, com todos os seus erros e afetações, tinha uma obra para
mostrar: implementou uma série de programas sociais importantes.
Em nenhum outro lugar implantou-se uma rede tão extensa de
programas de renda mínima, articulando recursos federais,
estaduais e municipais. Ninguém pode dizer, seriamente, que
a cidade não tenha ficado melhor depois da administração petista.
Os CEUs podem ser educacionalmente questionáveis, mas são
socialmente corretos, por criar pólos de excelência de convivência
comunitária. Para vencer, Serra comprometeu-se a melhorar
uma administração bem-avaliada.
Nesse contexto, fazia sentido ele prometer que a prefeitura
não seria um trampolim para a Presidência. O paulistano, afinal,
vive angustiado com suas doses diárias de caos e, pragmáticos,
viram em Serra uma solução -e, por enquanto, como revela pesquisa
Datafolha sobre seu desempenho administrativo, o eleitor está
satisfeito. Nunca um prefeito foi tão bem-avaliado em apenas
um ano de mandato.
São Paulo é uma espécie de Cidade-Estado, sede dos dois maiores
partidos -PSDB e PT- dos quais, pelo menos segundo as pesquisas,
deve sair o próximo presidente. Lula mora em São Bernardo,
mas sua base política é paulistana. É uma comunidade degradada,
mas cada vez mais articulada, educada e exigente. É o núcleo
do capital humano brasileiro e porta do país para o mundo.
Não vai aqui nenhum bairrismo porque, na verdade, sua força
é ser a síntese dos brasileiros; o melhor daqui é a sua diversidade.
Quem não vê São Paulo só pela repetição de chavões do caos
(mais do que reais) nota uma efervescência econômica, educacional
e cultural. Essa efervescência explica a queda da violência
em bairros periféricos em proporções jamais vistas no país.
Explica também a propagação de cursinhos pré-vestibulares
gratuitos, a disseminação de centros de pesquisas em hospitais
privados ou a remodelação de escolas públicas através das
mais diversas parceiras comunitárias. Vivemos um início de
processo de renasci- mento.
Para dar as costas a essa comunidade, que lhe depositou confiança
e, ainda, até por uma questão de falta de tempo, não teve
a devida retribuição, Serra necessitaria de um excelente argumento
para que esquecessem do papel que assinou (entregue, aliás,
para mim em debate feito pela Folha), comprometendo-se a ficar
até o último dia de seu mandato.
Ele teria de mostrar que o Brasil está um caos e ele seria
seu salvador. Mas o país não é está um caos. Se não ocorrer
um acidente, haverá, no próximo ano, mais empregos, mais investimento
social, avanço na distribuição da renda e redução da miséria,
tudo isso com estabilidade econômica.
Precisaria também mostrar aos eleitores que, sem ele, Lula
é imbatível. Não é o que sugere o Datafolha: Geraldo Alckmin
já está empatado com Lula no segundo turno e existem evidências
de que o governador dispõe de espaço para crescer se fizer
alianças no Nordeste.
Se o prefeito disputar sem levar em conta essas duas condições,
sobraria apenas a constatação de que a cidade ficou em segundo
lugar e foi desdenhada; e que o tal documento apenas iludiu
a opinião pública. Aí saberemos até que ponto o descumprimento
da palavra vai ter impacto numa eleição em que, inevitavelmente,
a ética será a principal discussão.
P.S. - Mais um complicador. Há uma forte possibilidade, como
mostrou o Datafolha, de Marta Suplicy ser candidata, com boas
chances, ao governo de São Paulo. Se isso ocorrer, o que estará
em julgamento será a administração dela na cidade -e, por
conseguinte, a de Serra. Que acontecerá se ele estiver fora
da prefeitura, tendo pouca coisa a oferecer de concreto sobre
sua gestão?
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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