Na segunda-feira passada, quase
à meia-noite, eu tomava um Prosseco no convés de uma embarcação
de três andares. Dos dois lados do rio, a paisagem, barulhenta,
era composta pelas luzes ininterruptas dos caminhões e automóveis.
Montes de lixo flutuavam pelas águas; garrafas de refrigerante
se acumulavam nas margens ou nas bases dos viadutos. Não se
via, no céu, uma única estrela. O odor de esgoto e óleo se
misturavam levemente ao aroma do vinho, servido numa taça
de plástico. Toda essa sujeira, porém, tornava aquele brinde
ainda mais interessante.
Momentos antes de os garçons servirem a bebida, assistimos
da embarcação a uma peça do grupo de Teatro da Vertigem, intitulada
"BR-3", na qual os atores, para contar uma viagem pelo interior
do Brasil, se espalhavam pelo convés, em lanchas e nos cenários,
alguns deles feitos de lixo reciclado, nas margens do rio
Tietê.
Nunca imaginei ver beleza naquele rio fétido e de águas negras
de sujeira, de onde partiam indivíduos que, no passado, ajudaram
a delimitar as fronteiras do Brasil e a descobrir riquezas
-e não muito tempo atrás, ainda se disputavam alegres torneios
de natação. Muito menos imaginaria que iria tomar, naquela
paisagem, um vinho e, ainda por cima, com prazer. Estava ali,
naquele cheiro e imagens de atores fazendo do rio um palco,
a essência de uma cidade. Daí que merecia mesmo um brinde.
Na minha retrospectiva sobre 2005, o fato social que considero
mais importante, embora ainda pouco conhecido e estudado,
é a queda acentuada do número de homicídios na cidade de São
Paulo no geral e, em particular, em seus bairros mais degradados,
como o Jardim Ângela, apontado, no passado, como a região
mais violenta do mundo. Nunca se tinha visto, no país, uma
queda tão rápida nas taxas de assassinato -o que se presta,
neste ano eleitoral que se aproxima, como uma experiência
a ser averiguada nacionalmente.
O fenômeno da redução das mortes só é explicado pelo "brinde
no Tietê", símbolo de uma tentativa de revitalização. É exatamente
o que está ocorrendo em São Paulo, degradada, violenta, suja,
caótica, mas em que se processa, quase clandestinamente, uma
resistência sem líderes, manifestos e partidos. É, de longe,
a história mais interessante a ser observada na cidade.
Não adianta olhar apenas na superfície ou sentir o odor do
rio; é preciso mergulhar mais fundo. Nesse mergulho, o que
se vê é a disseminação de associações e de lideranças comunitárias,
a maioria delas de migrantes nordestinos, que pouco ou quase
nunca aparecem na mídia. São atores que viabilizam projetos
de segurança em parceria com os poderes municipais e estadual.
Valorizam escolas públicas, ocupando-as nos finais de semana
para atividades de complementação curricular, esportivas e
culturais. São eles que demandam mais e melhores ações sociais
e assistenciais, exigindo que não sejam articuladas e não
se interrompam com mudanças de governo. Em muitos bairros,
ocorrem mobilizações pela paz envolvendo alunos, professores,
pais, comerciantes, educadores e religiosos.
Apesar de dispersas, fragmentadas e, muitas vezes, lentas,
algumas políticas públicas, vamos reconhecer, têm ajudado
o fortalecimento de bairros. Uma delas é a expansão do policiamento
comunitário. Os programas de renda mínima vão atingindo as
famílias mais miseráveis e estimulam a economia local. O capital
social (a rede de relações de confiança entre indivíduos)
se amplia com a abertura das escolas nos finais de semana
e o uso de espaços (parques, praças, clubes, quadras esportivas)
para programas de pós-escola. Some a tudo isso a rede de ONGs,
de voluntários e de projetos sociais das empresas, que, lentamente,
vem se sofisticando para oferecer um serviço mais técnico,
a partir de indicadores sistematicamente avaliados.
Todos esses fatores explicam, em maior ou menor grau, a revitalização
de algumas comunidades, se refletindo em toda a cidade. Ninguém
seria tolo de dizer que estamos bem, que a cidade está civilizada,
que os alunos estão bem-educados ou que o cidadão conta com
uma rede de proteção de saúde assegurada.
A regra é ainda a selvageria e a incompetência. Mas existe
uma reação comunitária inusitada na história brasileira, como
se mesclasse um pouco de beleza no esgoto -exatamente como
os atores do rio Tietê.
P.S.- Os candidatos a presidente e a governador que não estudarem
o que está acontecendo em bairros como Heliópolis, Paraisópolis
ou Jardim Ângela simplesmente não estarão preparados para
lançar propostas para redução da violência nem avançar em
programas assistenciais.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
Rio Tietê
Teatro sobre
as águas do Tietê
Escola do rio
escola da comunidade
Escola
aberta aos fins de semana baixa índices de homicídios
locais
Professor ganha nova função dentro e fora de sala de aula
Escola de diretores:
boa idéia do governo Lula
PL
apresentado pela Vereadora Soninha pela criação da educação
comunitária avança na Câmara
Lei
educador comunitário
Leia
PL na íntegra
Redução da violência
Experiências
na cidade de São Paulo que contribuem para a redução
de homicídios
Polícia
reduz roubo e furto no Centro
Base
da PM tornam-se pontos de referência ao cidadão
Jardim
Ângela vira modelo para São Paulo
Intervenção
do poder público e articulação comunitária reduzem em 72%
o número de seqüestros na cidade
Taxa
de Homicídios na Favela de Paraisópolis cai
38%
Baixa
da violência no Jardim Ângela chama a atenção da ONU
Avenida Paulista está mais segura que em 2004
Queda
de Homicídio em Cidade Tiradentes é de 69%
Combate
à violência leva São Paulo a rota de estudo
Mundial
Lula
na Cidade do Sol
Centro
mais moderno e seguro
Promover
qualidade de vida é objetivo do Programa Einstein na
Comunidade de Paraisópolis
São
Paulo: cidade esportiva 24 horas
|