Quando sua família, por causa de
problemas políticos, empobreceu subitamente na Argentina,
Martin Gurfein tinha apenas 13 anos e, obrigado a trabalhar,
conseguiu emprego de office-boy num laboratório fotográfico.
O bico ia, lentamente, se transformando em profissão. Atualmente,
ele tem 42 anos, vive em São Paulo, tem um bom emprego e é
chamado para expor em galerias de arte contemporânea de Nova
York. Desde agosto passado, a fotografia levou-o a um novo
ângulo e fez com que reaprendesse a olhar para adolescentes
que, como ele, vêm de famílias com escassos recursos, mas
estão dispostos a aprender. "Quando vi o resultado final,
levei um susto."
Ao começar a experiência, Martin, subeditor de fotografia
da revista "Caras", não tinha muitas expectativas. Estava
com vontade de usar suas horas livres para ensinar fotografia
a um grupo de nove alunos de escolas públicas. Nenhum deles
tinha uma máquina digital. "Nem sabia exatamente como dar
aulas." Dedicou-se a ensiná-los a olhar detalhes, perceber
o jogo de luzes, textura e formas que se compunham, por exemplo,
num pequeno tapete colocado no batente da porta. Ou num copo
no meio de mesa. "Queria que eles fossem tirar as fotos quando
tivessem uma idéia na cabeça."
Aos poucos, os estudantes foram descobrindo não só o prazer
da expressão pela imagem, mas a revelação de ângulos até então
despercebidos. "É como se descobrissem que podiam eles próprios
se descobrir ao refinar o olhar." Ínfimos detalhes do cotidiano
-ferramentas enfileiradas numa oficina mecânica ou um talher
em cima de uma mesa- passaram a ser registrados pelos estudantes.
Decidiram que todo aquele aprendizado deveria virar uma exposição,
mesmo que fosse amadora, sem maiores pretensões. "Seria uma
pena que ninguém prestasse atenção naqueles registros." Com
a ajuda de Martin, cada um deles separou as fotos de que mais
gostou e montaram painéis. Foram feitos os convites com algumas
imagens para a exposição que se realizou neste mês. "Para
minha surpresa, amigos meus, profissionais de publicidade
e jornalismo, impressionados com a qualidade, queriam saber
quais daquelas fotos eram minhas." Nenhuma. O que era para
ser uma experiência passageira vai se perdurar.
Martin vai continuar com o grupo, mas, desta vez, com uma
proposta mais ousada: expor o trabalho num museu. "Aprendi
com eles o que podem fazer as pessoas que têm sede de olhar."
João Nojiri é daqueles exemplos da prioridade dos japoneses
pela educação. Seu pai, Quimio, vendia frutas e verduras na
Ceagesp, mas conseguiu mantê-lo no colégio Santa Cruz, freqüentado
pela elite paulistana. "Sempre nos foi dito que o estudo era
a coisa mais importante na vida", conta João, hoje com 38
anos. Ele se formou na Poli, especializou-se em explosões
e montou sua própria empresa de engenharia. Está agora se
preparando para criar uma escola num dos cenários mais improváveis
da cidade -o rio Tietê, um esgoto a céu aberto.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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