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O publicitário Ferrer Viana
comandou uma das mais eficazes campanhas de que se tem notícia
de mobilização para a melhoria de uma cidade.
O marketing foi fundamental na transformação
de Barcelona, na Espanha, num laboratório de criatividade
comunitária, admirado e estudado mundialmente.
Cada habitante se sentiu protagonista do movimento, iniciado
na década de 1980. Não houve um único
segmento da comunidade que tivesse ficado de fora. Para estimular
doações, os meios de comunicação,
por exemplo, fizeram um acerto tácito para destacar
nas matérias o nome das empresas que patrocinassem
a recuperação de áreas públicas
ou do patrimônio histórico. A Universidade de
Barcelona colocou à disposição seus mais
sofisticados acadêmicos, a começar pelos arquitetos
e urbanistas. Os mais importantes artistas, dos eruditos aos
populares, ofereceram gratuitamente seu prestígio.
Ferrer vai relatar detalhes desse caso de sucesso, na próxima
terça-feira, em São Paulo, para estudantes,
professores e servidores públicos. Ao entendermos o
sucesso de Barcelona, entendemos também o drama da
cidade de São Paulo -e, por tabela, o de José
Serra.
A engenhosidade publicitária só funcionou porque
havia, antes de mais nada, prefeitos que colocaram Barcelona
em primeiríssimo lugar. Juntem-se a isso outros fatores,
como o planejamento urbano e o notável impulso dado
pelas Olimpíadas que ocorreram em Barcelona. Mas, sem
o exemplo de cima, dificilmente se conseguiria ir tão
longe.
Não vai aqui nenhuma novidade sobre o poder mobilizador
dos governantes que conseguem entusiasmar a opinião
pública. Esse poder cresce ainda mais quando se vêem
os resultados concretos e se afastam os temores de manipulação.
Está em exibição em Nova York uma exposição
sobre o papel de Ed Koch como um de seus prefeitos. Ele foi
eleito quando a cidade estava quebrada -quebrada mesmo, sem
crédito na praça para pagar suas dívidas.
A exposição mostra, em detalhes, como ele se
dispôs a tomar medidas duríssimas de cortes em
gastos públicos e, depois, conseguiu se reeleger para
mais mandatos. Encarnou o espírito empreendedor e ousado
do nova-iorquino, sintetizando seus encantos e dores.
Não se consegue entender a revitalização
de Nova York, tão visível nas ruas, sem passar
por esse período, quando, aliás, se criou aquele
slogan "Eu amo Nova York", no qual a palavra amo
é substituída pelo desenho de um coração.
Justamente nisso -na cidade e no coração- está
o drama de Serra e de São Paulo.
Já disse aqui e repito. Se tivesse de fazer uma lista
com os 20 brasileiros mais preparados para assumir a Presidência
da República, colocaria, sem hesitar, o nome de Serra.
Duvido que até mesmo os mais aguerridos de seus desafetos
não o colassem nessa hipotética lista.
É compreensível que Serra queira ser candidato
a presidente. Desde bem jovem, ainda no exílio, nutre
esse sonho. Sente-se (e com razão) preparado para o
cargo. E, acima de tudo, as pesquisas de intenção
de voto colocam-no, neste momento, como o mais forte postulante
na disputa ao Palácio do Planalto. Provavelmente é
agora ou nunca.
Vou além. Ele ainda tem pouco o que mostrar como prefeito.
Mas o que já foi feito em um ano estabelece linhas
de uma possível gestão inovadora.
Mas o fato é que Serra, involuntariamente ou não,
está transmitindo o sinal de que São Paulo não
é o que agarra o seu coração. Estaria
no cargo apenas por uma contingência, à espera
de Brasília. É um sinal que provoca um enorme
poder desmobilizador dentro e fora de seu governo.
A cidade de São Paulo é um laboratório
do caos. Pagamos, todos os dias, o preço da incompetência.
Serra foi eleito na expectativa de que seu status de presidenciável
ajudaria no enfrentamento do caos, prestando-se como uma síntese
das aspirações de uma coletividade, acuada pelo
trânsito, pelas enchentes, pela poluição
visual, pela violência. Sua própria história
de vida é sintética dos paulistanos: o filho
de feirantes e de imigrantes na zona leste, estudante de escola
pública, que fez sucesso.
Talvez, se ele sair candidato, até consiga fazer com
que as pessoas esqueçam de sua promessa e do documento
que ele entregou nas minhas mãos comprometendo-se a
ficar até o final de seu mandato na prefeitura. Talvez,
se vencer, todos se esqueçam ainda mais rapidamente,
afinal o sucesso e o poder combinados são um santo
remédio para a memória.
Mas, mesmo se vencer, ficará sempre a sensação
de que São Paulo ficou em segundo plano e serviu de
trampolim. Isso, obviamente, vai retardar um movimento que
já existe de renascimento, graças à efervescência
comunitária, potencializada em cidades como Nova York
e Barcelona.
Caso não consiga sair candidato à Presidência,
ele terá de reverter o final, recuperar o tempo perdido
e fazer um esforço para mostrar que São Paulo
está em primeiro lugar. Não vai aqui nenhum
provincianismo: o desenvolvimento social brasileiro depende
mais de as cidades terem prefeitos capazes de fazer inovações
locais -afinal, as pessoas não vivem no Estado nem
na União, mas nas cidades- do que da suposta genialidade
de um presidente.
Não existe a possibilidade de um Brasil desenvolvido
e de seu coração econômico ficar infartado.
Veja
como Barcelona foi recuperada
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