Pesquisadores americanos acompanharam
durante 40 anos a evolução de pessoas pobres e negras matriculadas
num programa destinado a estimular crianças desde a pré-escola
-ou seja, com menos de seis anos de idade. Considerei os extraordinários
resultados daquela pesquisa o melhor assunto para inaugurar
o primeiro mês da coluna de 2006. Afinal, estamos entrando
em período eleitoral.
Esses estímulos educacionais desde a pré-escola produziram
entre essas crianças pobres e, muitas vezes, discriminadas
pela cor, alunos, trabalhadores e cidadãos melhores. Isso
se traduz em maiores salários e menos dependência de recursos
assistenciais, além de menor envolvimento com crimes.
O resumo da história, provado estatisticamente, é o seguinte:
embora o retorno demore, poucas ações são tão frutíferas para
a sociedade equalizar as oportunidades e combater a violência
como investir em educação infantil. Se já sabemos que a educação
é um dos melhores mecanismos de distribuição de renda e avanço
da riqueza de um país, vemos agora com precisão matemática
que esses benefícios são tão mais vigorosos quanto mais cedo
as crianças receberem estímulos de aprendizagem -essa, na
verdade, é uma sólida porta de saída contra a pobreza.
Por causa das eleições, um dos grandes debates brasileiros
será em torno dessas portas de saída da linha de pobreza e
da miséria.
No esforço de se manter na Presidência, o PT vai apresentar
o Bolsa-Família como seu mais importante programa social,
que vem reduzindo a miséria nos locais mais distantes ou desolados
do país. É fato que nunca, em toda a nossa história, tantos
pobres receberam recursos diretamente do poder público; é
fato também que, embora não se possa medir com precisão seu
resultado, os programas de renda mínima ajudam a melhorar
a renda.
Um dos grandes -e pertinentes- debates que se levantam é
até que ponto esses recursos estão favorecendo a autonomia
dos beneficiários. Será que estamos criando mendigos oficiais,
eternamente dependentes de assistência social? Embora o governo
não queira reconhecer, milhões dos que recebem essa ajuda
já não têm condições de recuperar o tempo perdido e, devido
à baixa escolaridade, estarão condenados à marginalidade social.
A ajuda faz, assim, sentido humanitário, mas com reduzido
retorno para o enriquecimento efetivo de um país.
Quando se sobe o valor do salário mínimo -e ninguém, compreensivelmente,
quer ser contra esse aumento-, ocorre um processo de transferência
de recursos para os idosos, a maioria dos quais já não são
economicamente produtivos. Mas, ao mesmo tempo, não é ofertado
mais dinheiro para que as famílias pobres cuidem de suas crianças,
dificultando-as de sair do círculo vicioso da carência.
Tal debate tem um caminho fácil -o emocional, muito a gosto
dos políticos em geral, especialmente nas vésperas das eleições.
Afinal, o mínimo já é mínimo mesmo e os velhos aposentados
vivem em situação lamentável. Como, então, não querer que
recebam mais dinheiro?
O problema é que, numa discussão baseada em números (algo
que, reconheço, aborrece), o que se deveria discutir são ações
que, além de beneficiar os mais frágeis, ajudem a autonomia
dos indivíduos e o aumento da riqueza coletiva.
Como todos sabemos, não há mais espaço para o aumento de
impostos; aliás, só vai crescer a demanda da sociedade pela
redução de tributos para estimular a produção econômica. Portanto,
o que está em pauta não é aumento de gastos, mas sua racionalização.
É uma tendência inescapável e, certamente, é o grande desafio
brasileiro na área social.
Qualquer proposta para a redução da miséria será sempre capenga
se não drenar mais recursos para o atendimento das crianças
desde seu nascimento e, depois, para que tenham um ensino
de qualidade. A alternativa a isso é a mendicância oficial
-talvez até seja uma boa solução eleitoral, mas não é a melhor
solução social.
P.S. - Minha aposta é que neste ano o que se discutirá, como
nunca antes, não serão mais as prioridades sociais, mas como
viabilizá-las sem jogar a conta nas costas dos cidadãos. Estamos
entrando na era dos economistas e técnicos que, além de sensibilidade
social, estudam gerência.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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