Apenas recentemente o escritor Luiz
Alberto Mendes, de 53 anos, descobriu os encantos do metrô.
Impressionou-se com a limpeza, a velocidade, o tapete de borracha
das estações e os assentos reservados aos idosos e portadores
de deficiência. "Parece que eu estava entrando num filme de
ficção científica." Essa é uma das sensações que o estão inspirando
a escrever um livro, cujo título provisório é "De Volta ao
Mundo". Antes disso pretende lançar um guia para homens livres.
Depois de cometer assassinato em 1972, Luiz Alberto passou
32 anos na cadeia. Naqueles tempos, TV em cores ainda era
novidade, ninguém tinha computador em casa, só se usava máquina
de escrever. Nem a violência nem o desemprego faziam parte
das principais preocupações de um morador das grandes cidades;
vivia-se a era do "milagre econômico". Enquanto o país caminhava
para a democracia, a miséria se expandia pelas ruas paulistanas
e o mundo descobria a realidade digital, ele, semi-analfabeto,
aprendia, atrás das grades, o gosto pela literatura e se preparava
para escrever "Memórias de um Sobrevivente".
Solto em 2004, seu cotidiano, em São Paulo, onde nasceu,
fazia-se de surpresas cotidianas como as do metrô ou os sistemas
computadorizados dos carros. Admirava a internet, o cartão
de débito, a leitura digital no preço dos produtos. Notava,
surpreso, como todos os motoristas dirigiam com cinto de segurança.
Via também retrocessos: as calçadas povoadas de meninos e
meninas. "Sempre fui criança de rua e me lembro que éramos
poucos. Hoje tem em tudo quanto é canto."
Nessa volta ao mundo, Luiz Alberto enfrentou inimagináveis
pedidos de documentos ao decidir tirar seu título de eleitor.
"Nunca votei. Estar livre, para mim, era votar." Para conseguir
o título, teve de entrar num labirinto de documentos para
justificar por que jamais votara. "Acho que vou conseguir
o título", anima-se.
A busca de documentos inspirou-o a fazer algo a mais pela
cidade além de escolher um governante: um guia para quem,
como ele, sai da cadeia e não consegue entender nem o que
é um e-mail, um cartão de débito ou até como obter microcrédito,
CPF e beneficiar-se de programas de renda mínima. Está sensibilizando
autoridades penitenciárias a distribuírem seu manual como
preparação para quem está prestes a voltar às ruas. "Como
muita gente não sabe se virar, acaba caindo de novo nas mãos
de criminosos." E saem do mundo e voltam para a cadeia. .
É nosso.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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