Fábio Henrique Eloreza começou neste
ano a estudar direito na PUC. Mas seu grande aprendizado sobre
como as leis e os direitos funcionam ou deixam de funcionar
ocorre, literalmente, na rua. Para conseguir sobreviver, ele
faz bico como motoboy. "Trabalhar no trânsito é uma grande
escola sobre como o brasileiro percebe a lei."
Montado em sua moto, ele aprendeu como funciona o submundo
das entregas de encomendas. Sem nenhuma proteção trabalhista,
seguro de saúde ou de vida, jovens se submetem a situações
de extremo estresse. "Muitos deles ficam dirigindo até 16
horas por dia. Afinal, ganham pelo número de encomendas."
Isso explica, em boa parte, por que tantos motoboys acabam
no pronto-socorro ou no cemitério.
Os acidentes também se explicam pela lógica da impunidade,
uma das marcas culturais do país. Tanto os motoboys como os
motoristas não respeitam as leis de trânsito: desrespeitam
o semáforo, não param na faixa, andam acima do limite de velocidade,
embriagam-se, falam ao celular. "Tudo o que se pode aprender
numa faculdade de direito sobre a falta de cidadania vemos
no trânsito." A começar pela crônica sensação de impunidade.
"Pouca gente é punida."
O aprendizado se estende ao movimento sigiloso de roubos
das motos. Há todo um comércio de peças que beira a normalidade,
tão conhecidos são os endereços de venda clandestina. Isso
faz com que, nessas rotas, muitos desconfiem da conivência
ou mesmo da participação das autoridades com as quadrilhas.
Além das questões legais, as "aulas" na rua ensinam sociologia
para Fábio, quando se tenta entender como um jovem é capaz
de se matar em cima de uma moto. O problema se inicia na falta
de escolaridade e se aprofunda na baixa geração de empregos.
"Os motoboys passam a aceitar qualquer coisa e nas piores
condições."
A partir de todas essas observações, Fábio começou, na semana
passada, a pensar sobre como mesclar o aprendizado das ruas
com os conceitos apreendidos nas aulas de direito. Daí sairia
um texto sobre a impunidade. "O que se lê nos livros, um motoboy
sente na rua." Justamente para não sentir isso, estuda para
ter um diploma de ensino superior.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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