Maria Isabel Marcondes nasceu pobre,
não estudou, mas ganhou muito dinheiro. Torrou tudo com cocaína,
uísque importado e mulheres. Em sua derrocada, chegou a tirar
vantagem financeira do enterro da própria mãe. Pediu aos amigos,
comovidos, mais dinheiro do que era necessário para o velório.
"Com a diferença, comprei drogas." Uma boa parte da cocaína
ela cons umiu num dos banheiros do cemitério.
Maria Isabel, 50 anos, não gosta de ser chamada de Maria
Isabel. Prefere Bell, que, em inglês, significa sino, uma
lembrança charmosa dos tempos em que trafegava no meio artístico
como produtora de shows e pagava, orgulhosa, a conta dos jantares.
Bell foi o nome que ela levou para as ruas de São Paulo,
onde, depois de perder tudo, morou por quatros anos e, muitas
vezes, se entregou apenas por alguns trocados para comprar
cachaça. Sobraram-lhe apenas nove dentes e quase nenhum a
vontade de viver. Conseguiu, porém, livrar-se das drogas.
Para contar sua história -"e tentar me limpar"-, Bell escreveu
o livro "Estou viva, não uso mais drogas", lançado numa edição
quase artesanal, vendida de bar em bar. Conseguiu sensibilizar
uma editora (Geração) para relançá-lo na Bienal do Livro que
começa nesta semana. "Estou insegura." Quase já não tem mais
amigos -e os que lhe restaram não conseguiriam comprar ingresso
para entrar na bienal. "Sei que vou me sentir lá tão anônima
quanto no tempo em que estava nas ruas."
A vontade de se matar, ela admite, ainda não passou completamente.
Aparece em especial quando, apesar de todo o esforço para
continuar "limpa", não tem como pagar o aluguel ou mesmo manter
a geladeira com comida. O grande sentido que enxerga para
sua existência é contar a sua experiência. Por causa desse
projeto, Bell está se juntando a um grupo batizado de "Quebrando
Muros", composto de gente que, como ela, conheceu o extremo
da solidão pelos mais diversos motivos, acabou viciada ou
numa prisão, mas está conseguindo, mesmo que precariamente,
se equilibrar. Muitos deles também escrever am livros e querem
organizar encontros nos mais diferentes ambientes, de presídios
a escolas de elite, para que suas histórias inspirem outras
histórias. A lição de Bell: "Aprendi que, por mais difícil
que pareça, dá para mudar".
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
Leia
trechos do livro de Bell
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