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Uma pesquisa ainda inédita
revela que 46% dos habitantes da cidade de São Paulo,
entre 18 e 45 anos, das classes A, B e C, foram vítimas
ou tiveram alguém próximo (parente, amigo, namorado,
vizinho, colega de trabalho) que sofreu um assalto em 2005.
Entre as vítimas, 36% mudaram de atitude e buscaram
mais proteção. Passaram a ficar ainda mais tensas
e desconfiadas, sentindo-se vigiadas. Uma parte delas admitiu
danos psicológicos (insônia e ansiedade, por
exemplo).
Note que estamos falando das vítimas em apenas 12 meses.
Isso é o que sustenta a sensação generalizada
de vulnerabilidade e a produção em série
de cidadãos amedrontados e ansiosos. Na lógica
da sociedade "incivil", nem mesmo os cisnes do parque
Ibirapuera, como se descobriu na semana passada, conseguiram
se livrar das quadrilhas de assaltantes.
Essa sensação de vulnerabilidade psicológica,
detectada pela pesquisa da CPM Research, sob encomenda da
Agência Internacional de Paz (Inpaz), é um dos
ingredientes em torno da possível candidatura José
Serra à Presidência - e ajuda a explicar por
que a maioria dos seus eleitores, como informam levantamentos
de opinião, gostaria que ele terminasse seu mandato
de prefeito.
A sociedade "incivil" vai muito além dos
assaltos. Cometem-se cem sequestros relâmpagos por mês.
Motoboys estirados no chão são parte da paisagem.
Nesse período de chuvas, a vulnerabilidade se estende
às enchentes que paralisam a cidade e tornam os congestionamentos
ainda mais infernais.
Para a maioria do eleitorado paulistano, a eleição
de Serra significou a oportunidade de colocar na prefeitura
um político com status presidencial justamente para
tentar amenizar os níveis de caos e degradação
municipal. Daí ter vencido uma acirrada disputa com
Marta Suplicy, que, se teve o demérito de deixar as
contas em desordem e promover obras às pressas, lançou
em sua gestão programas sociais relevantes.
Mas a candidatura de Serra está, neste momento, apenas
aumentando a sensação de vulnerabilidade, ao
dar o recado de que a cidade não é sua principal
preocupação e que, involuntariamente ou não,
lhe serviu de sala de espera. O Ibope revelou, na semana passada,
que o número de paulistanos dispostos, neste momento,
a levá-lo a Brasília é muito menor dos
que os que avaliam como ótima ou boa sua administração.
No jogo de barganhas, a cidade está se reduzindo ao
status de moeda de troca. Ganhar a prefeitura, por meio do
vice-prefeito, é uma das razões para o apoio
da cúpula do PFL à candidatura de Serra. Entrar
aqui, dizem vários líderes do PFL, é
um projeto estratégico do partido para garantir seu
fortalecimento no futuro.
Não se sabe, numa eventual mudança na prefeitura,
quais programas serão mantidos e se o sucessor terá
a habilidade de tocar uma administração com
problemas tão graves e urgentes, que dependem de articulação
federal, estadual e municipal. Não se sabe como reagiria
um prefeito substituto como Gilberto Kassab, que tomaria posse
enfraquecido e obrigado rapidamente a ganhar popularidade.
Isso significaria que medidas impopulares e importantes serão
esquecidas? Especule-se a favor dele que talvez seja melhor
um sucessor motivado, desesperado para mostrar serviço,
do que um prefeito amargurado e desmotivado, para quem a cidade
seria um prêmio de consolação.
Na visão de Serra, há algo maior em jogo. Está
em jogo um projeto de nação, na qual se estimule
o crescimento econômico e, com isso, São Paulo
só teria a ganhar. Serra acredita que, diante do desafio
nacional, valeriam assim todos os riscos e decepções.
Acha-se capaz de abrir caminhos para o país gerar mais
empregos e com mais velocidade. Uma vez vitorioso, estaria
sempre de olho na cidade, ajudando-a a partir de Brasília.
Gilberto Kassab seria quase uma espécie de ministro.
Ele disse, em conversas reservadas, que aceitaria esse papel.
"Muda o maestro, mas permanece a orquestra", comentou.
Há, porém, mais hipóteses a serem consideradas;
isso, claro, supondo que Alckmin terá virado purê
de chuchu, o que é ainda apenas uma hipótese,
descartada, aliás, pelo governador. Pesquisas na semana
passada reafirmaram a melhoria eleitoral de Lula e indicaram
que, até agora, Marta Suplicy é a candidata
mais forte ao governo estadual. Como seria uma Marta governadora
lidando com uma prefeitura nas mãos de adversários?
Lembre-se que, em 2008, a sucessão municipal já
estará na agenda dos políticos. E, se Serra
perder, como ficarão o PSDB e, por sua vez, os projetos
na cidade?
Saindo do campo ilimitado das especulações,
há um detalhe factual -e revelador da vulnerabilidade.
Em março de 2005, Serra explicava como iria cobrir
os rombos orçamentários, atacando os desperdícios.
Passado um ano, ele se vê obrigado a explicar por que
está gastando tantos recursos em publicidade que, obviamente,
parecem um desperdício- exceto é óbvio,
para fins eleitorais.
PS - Vamos supor o melhor cenário para Serra. Talvez
ele saia mesmo candidato e seja indicado pelo PSDB, vencendo
Geraldo Alckmin. Talvez ganhe a eleição contra
Lula e seja um bom presidente, fazendo as reformas necessárias
e impulsionando o crescimento no país. Talvez até
muitos dos que resistiram à sua candidatura venham
a se arrepender. Mesmo com tudo isso, uma coisa não
é "talvez": ele não terá ficado
à altura dos desafios da cidade de São Paulo.
Será mais um personagem de nossa vulnerável
sociedade incivil, onde, em geral, ser prefeito é apenas
um trampolim.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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