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Há uma lista de 200 estudantes,
alguns deles do ensino privado, aguardando vaga numa escola
pública na zona norte de São Paulo; pais recorrem
a políticos para tentar matricular seus filhos e furar
a fila. É uma lista surpreendente.
Até pouco tempo atrás, a escola era apelidada
de "maloquinha". Seus professores tinham medo dos
alunos, traficantes circulavam sem constrangimentos e as brigas
faziam parte da rotina. Viam-se sinais de abandono por todos
os lados: muros pichados, vidros danificados, portas com marcas
de arrombamento, banheiros quebrados e infiltração
nas paredes.
A explicação para essa mudança poderia
ser encontrada, neste final de semana, mais precisamente a
partir das 22h45 do sábado, quando um grupo de alunos
da Comandante Garcia D'Ávila, a ex-maloquinha, entrasse
no sambódromo para desfilar num bloco da Unidos do
Peruche.
A operação que levou a maloquinha a virar ex-maloquinha
é especialmente relevante por causa da informação,
divulgada na semana passada, sobre um dos maiores problemas
brasileiros, talvez a nossa maior bomba social: 27% dos jovens
entre 15 e 24 anos de oito regiões metropolitanas não
estudam nem trabalham. Traduzindo: 1,7 milhão de indivíduos,
no auge do vigor físico, que integram o bloco da juventude
invisível socialmente. Vítimas do desemprego
e da precária escolaridade, vivem entre o desespero,
a frustração e o ressentimento, servindo de
mão-de-obra para o crime organizado e de ponto nas
estatísticas de violência.
Justamente por isso experiências como a da ex-maloquinha
vão bem além do Carnaval. Comandados pelo professor
Waldir Romero, educadores da Garcia D'Ávila apelaram
para o que imaginavam ser a única solução
contra a selvageria que os atacava. Bateram às portas
dos grupos carnavalescos da zona norte, entre os quais a Unidos
do Peruche. Pediram-lhes que realizassem ensaios na escola.
Entre os grupos que aderiram, estava a Gaviões da Fiel,
da torcida do Corinthians.
Rapidamente, criou-se o respeito dos alunos e as gangues foram,
aos poucos, se afastando. As famílias se aproximaram
e usaram a escola para realizar batizados, aniversários
e casamentos.
Juntou-se às matérias tradicionais o samba,
mesclando aulas de português e história às
letras das músicas e ao enredo. Exemplo: o tema deste
Carnaval da Unidos do Peruche é Santos Dumont. Usou-se
o pai da aviação, em sala de aula, como eixo
transversal para discutir diferentes matérias, além
da importância do sonho e da imaginação.
Para desenvolver o empreendedorismo, os estudantes são
convidados a montar um desfile de verdade. Oferecem-se atividades
extracurriculares realizadas nas quadras das escolas de samba.
Pela primeira vez, neste ano os alunos desenharam e costuraram
suas próprias fantasias -alguns deles disputaram o
concurso para a escolha da letra-, para desfilar na avenida,
batizados de "ala do Garcia"."
Não se vai resolver a questão da marginalidade
juvenil apenas com sacadas deste tipo. Enquanto o Brasil estiver
crescendo tão pouco, seremos sempre um campo minado.
Essa é uma das traduções, a pior delas,
para o crescimento do PIB de 2,5% anunciado na sexta-feira.
Mas, aliado ao esforço de crescimento econômico
e de distribuição de renda, é inevitável
a transformação da escola no principal elo de
articulação das famílias, da comunidade
e do poder público. Daí que tenho insistido
na idéia de que devemos formar professores comunitários
para fazer essa articulação, na qual crianças
e jovens sintam-se respeitadas e, portanto, visíveis.
No caso da ex-maloquinha, o samba significou, sem maiores
discursos, um sinal de respeito. Talvez pudesse ser ópera,
balé, hip hop, futebol, dança, qualquer coisa
que estabelecesse uma relação afetiva e produtiva
entre o indivíduo e o mundo.
Qualquer candidato a governador e presidente estará
desqualificado se não tiver montado uma estratégia
para enfrentar a marginalidade juvenil. Não há
nada que destrua tantas perspectivas de vida, desperdice recursos
humanos e ameace mais a insegurança de toda uma nação
dos que os milhões de seres que não estudam
nem trabalham. E, por não se sentirem ligados a nada,
imaginam-se com pouco a perder.
P.S. - Por falar em invisibilidade, uma experiência
brasileira foi premiada neste ano pela ONU -outro caso que
vale a pena ser estudado. Em Taboão da Serra, na região
metropolitana de São Paulo, criou-se a figura do "professor
visitador". O professor que vai à casa da família
de seus alunos ganha um acréscimo em seu salário.
No final, o dinheiro foi o menos importante. As famílias,
sentindo-se valorizadas com a visita, passaram a ajudar a
escola, o que se refletiu na atitude e no aprendizado dos
estudantes. Mais uma vez, apenas um toque de visibilidade
para gerar a sensação de pertencimento.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
na editoria Cotidiano.
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De
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Professor
comunitário
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