O salário médio de uma empregada
doméstica na cidade de São Paulo é de R$ 800, informa a Federação
Nacional das Trabalhadoras Domésticas. É mais do que os R$
615 pagos a uma professora iniciante da rede municipal, com
uma carga horária de 20 horas. Se comparássemos com uma doméstica
diarista, a diferença seria muito maior: sua média de rendimentos
é de R$ 1.600 mensais.
O professor iniciante paulistano não pode, aliás, nem mesmo
contar vantagem diante dos pedintes dos semáforos. Segundo
estimativa da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social,
esse trabalhador tira, em média, R$ 25 por dia.
Com o rendimento inferior ao de uma empregada doméstica e
quase empatado com o de um pedinte, entende-se por que os
professores entraram em greve em São Paulo.
O problema não é só dinheiro: eles vivem sob intenso estresse,
devido às salas superlotadas, alunos indisciplinados e agressivos,
além de serem vítimas das mais diversas formas de violência.
Nessa questão salarial se revelam, na verdade, os valores
de uma nação. Na prática, essas comparações significam, por
mais absurdo que pareçam, que a sociedade dá mais valor à
posição social de uma empregada do que a de um professor público
-é assim que se medem, e não no palavrório, as verdadeiras
prioridades do país.
Poderíamos medir a prioridade não só pelo salário mas pela
baixa repercussão que essa greve tem na opinião pública. Imaginem
o barulho que haveria se a paralisação fosse em escolas de
elite, e os filhos das famílias mais ricas tivessem de ficar
em casa por duas semanas. No caso da rede pública, as mães
muitas vezes não têm nem com quem deixar seus filhos.
Se achamos que, sem boa educação pública, uma nação não consegue
se desenvolver com um mínimo de igualdade e que a produtividade
econômica estará ameaçada, o lógico seria que existissem esforços
continuados e obsessivos para estimular a carreira do professor.
Como podemos atrair pessoas mais talentosas e preparadas sem
estímulo salarial?
Evidentemente o que vemos hoje não é culpa desse ou daquele
governo, mas de uma falta de reverência a compartilhar de
conhecimento entre todos. Como as famílias mais ricas têm
seus filhos em escolas privadas, uma greve como a que está
ocorrendo provavelmente só entra na conversa -isso se entrar-
se a empregada lamentar com a patroa que não tem com quem
deixar o filho.
Há traduções óbvias e repetidas para essa fragilidade: repetência,
evasão e baixíssimo aprendizado. Uma das traduções não tão
óbvias foi apontada, na semana passada, pelo presidente Lula,
ao dar uma estocada, sem citar o nome, em Geraldo Alckmin,
seu principal adversário e cada vez mais ameaçador, como mostra
hoje o Datafolha.
No esforço de ir minando a imagem do ex-governador, o PT
se prepara para mostrar as imagens de selvageria da Febem,
que, na semana passada, voltou a exibir mais uma rebelião.
Essas imagens apenas reforçam o que todos sabemos: o desempenho
do governo estadual está muito abaixo, nessa área, do que
o esperado. Pelo volume de dinheiro que se despeja na prisão
de crianças e adolescentes e pelo que já conhecemos sobre
a inutilidade de grandes instalações como a do Tatuapé, melhores
resultados poderiam ter sido apresentados.
Lula lembrou que se construíssem mais escolas haveria menos
prisões. Colocada nesses termos simplistas, a frase tem efeito
apenas eleitoral. Mas, em essência, é isso mesmo. O problema
da Febem não é, a rigor, apenas a Febem. Antes fosse.
O problema é nossa incapacidade de prevenir a delinqüência
juvenil, e, aí, a discussão se torna extremamente complexa.
Se houvesse mais e melhores escolas, provavelmente haveria
menos unidades da Febem, menos assaltos e menos assassinatos.
Como ter boas escolas se, na cidade mais rica do país, um
professor ganha tanto quanto um pedinte e menos do que uma
empregada doméstica? Será que esse indivíduo terá recursos
para comprar livros ou ir ao teatro? Pode alguém ser, de fato,
um bom professor sem uma vivência cultural?
Evidentemente que não. Isso significa que a escola vira mais
um espaço de exclusão, especialmente para aqueles em situação
de risco, do que de inclusão, servindo de incubadora para
candidatos a internos da Febem.
Se os ataques sobre a Febem, de Alckmin, servirem para esse
tipo de reflexão, ruim para o ex-governador, bom para o país.
Se forem apenas para ficar nos chavões, será perda de tempo.
P.S- Para melhorar o desempenho dos professores, gosto de
uma idéia que, em geral, os professores detestam. Em vez de
aumentos salariais indiscriminados, os educadores poderiam
ganhar um bônus a partir do desempenho de seus alunos. Nos
lugares em que tal idéia foi testada e, ao mesmo tempo, se
ajudou na qualificação do educadores, os resultados foram
estimulantes. O professor passa a ser sócio do sucesso do
aluno, e não do fracasso.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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