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Na próxima quarta-feira , em Brasília,
o Congresso vai assistir a uma inusitada "carrinhata" de bebês,
levados por suas mães. Com o slogan a "Educação começa no
Berço", a manifestação visa chamar a atenção para um dos maiores
crimes sociais praticados no país. Apenas 11% das crianças
de até três anos estão nas creches -e a maioria delas vem
de famílias de maior poder aquisitivo. Em outras palavras,
são 11 milhões de bebês sem creche.
Esse movimento, sustentado por 200 entidades, está tentando
sensibilizar os parlamentares e os governantes para que invistam
mais recursos na educação infantil. Neste momento de crise
aguda, em que não se sabe nem mesmo se o presidente da República
vai terminar seu mandato, uma passeata de bebês tende a passar
despercebida ou a ser encarada como folclore. Nesse gesto,
porém, está embutida uma discussão que é mais importante para
o futuro do país do que o destino de Lula ou do PT.
E isso não só porque detalhados estudos mostram que as dificuldades
de aprendizado começam no berço, por falta de estímulo (está
aí, como se vê, uma das raízes da desigualdade). Há muito
mais em jogo do que se imagina.
Paralelamente à articulação por mais recursos para a educação
infantil, começou, neste mês, uma articulação de bastidores,
que envolve empresários, intelectuais e dirigentes de entidades
não-governamentais, em busca de um pacto.
Até maio do próximo ano, pretende-se lançar um manifesto com
a assinatura de personalidades brasileiras e de dirigentes
das mais diversas entidades da sociedade. Nesse documento
estariam incluídos nomes de artistas, de jogadores de futebol,
de membros da Fiesp, da Febraban, da CUT e da Força Sindical,
de representantes de entidades estudantis, de professores,
de reitores e de dirigentes municipais e estaduais.
O objetivo da iniciativa é ambicioso: fixar a educação como
a prioridade das prioridades, apresentada como uma espécie
de Abolição da Escravatura do século 21 e, ao mesmo tempo,
como uma nova declaração de Independência. Exagero? Não. Indivíduos
sem educação de qualidade sofrem severas limitações no exercício
de seus direitos. São pessoas com baixa autonomia. Uma nação
cuja maioria dos habitantes esteja nessa condição só pode
considerar-se independente na teoria, porque, na prática,
não o é.
O que se pretende é ir além do manifesto episódio. Metas devem
ser estabelecidas e, a seguir, monitoradas, tal qual se faz
com os números da inflação ou do crescimento econômico. Simbolicamente,
nas discussões iniciais, é usado como referência o ano de
2022 . Como os brasileiros deverão estar educados no ano em
que vamos comemorar o bicentenário da Independência? A idéia
é monitorar anualmente indicadores de quantidade, ou seja,
o número de matrículas realizadas da educação infantil, a
começar das creches, ao ensino superior. Seria fixado, por
exemplo, que, em 2022, nenhuma criança ficaria sem creche
ou pré-escola.
Outro indicador seria o de qualidade. Uma excelente notícia
é que, neste ano, o Ministério da Comunicação vai começar
a aplicar testes de português e matemática na imensa maioria
dos estudantes de quarta e oitava séries de 5.000 municípios
brasileiros. Será não mais uma amostra, como tem sido até
agora, mas um teste universal.
Com o avanço dos indicadores de avaliação da educação dos
brasileiros, lançados na década de 1990, já é possível perseguir,
com razoável grau de precisão e objetividade, metas de quantidade
e de qualidade.
Surge, porém, outra questão, esta mais grave: será que o Brasil
já está preparado o suficiente para fazer uma associação da
educação com a escravatura e com a independência, mobilizando
os governantes? Talvez sim. Parte do meu razoável otimismo
vem das conversas que tenho tido com alguns dos mais importantes
dirigentes empresariais e sindicais brasileiros. Eles estão
aprendendo que o investimento em capital humano passou a ser
tão importante quanto o investimento em capital físico (portos,
aeroportos, máquinas, hidrelétricas). Mais e mais economistas
têm demonstrado matematicamente esse efeito da educação no
crescimento econômico e na distribuição da renda.
Alguns governadores e prefeitos têm patrocinado experiências
interessantes para a melhoria das escolas, treinando professores,
ajustando currículos à realidade dos estudantes e abrindo-se
para a comunidade. Está nascendo, por exemplo, a figura do
professor comunitário, que, partindo da escola, aprende a
envolver as famílias, o bairro e a cidade no processo educativo.
Estão aparecendo programas para formar melhores diretores.
É fato que cresce em todo o país o número de organizações
e de voluntários dispostos a ajudar uma escola ou um estudante.
É pouco ante as necessidades? O que dá combustível ao meu
razoável otimismo é a conversa com gente que não pertence
à elite, com as mães que vão levar seus bebês ao Congresso.
Espalham-se nas regiões metropolitanas cursinhos pré-vestibulares
gratuitos; milhões de adultos fazem supletivos à noite e nos
fins de semana; explodem as matrículas no ensino médio; e
disseminam-se cursos técnicos. Essa gente simples, que, muitas
vezes, trabalha durante o dia e estuda à noite, sabe que sua
independência está na razão direta de sua formação.
PS - Na semana passada, foram divulgados, num seminário,
novos dados sobre experiências que envolvem família, escola
e comunidade. É nisso que se monta a verdadeira blindagem
contra as mazelas nacionais.
Deputados
pedem inclusão de creches no Fundeb
Manifestação
'Fraldas Pintadas' pedirá inclusão de creches
no Fundeb
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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