No começo, eles se comportavam como figuras tímidas, desconfiadas.
Mas encontraram no tempo o maior aliado. Passaram não
só a dominar as técnicas de trabalho que lhe
foram ensinadas, como tomaram consciência disso, a ponto
de traçarem um plano de carreira antes inimaginável.
Os personagens dessa história são jovens de
baixa renda de São Paulo, que hoje participam de três
programas de formação de mão-de-obra
especializada: Projeto de Recuperação do Acervo
Fotográfico do Museu da Imagem e do Som (MIS), Projeto
Jovens Montadores e Oficinas Culturais Anchieta.
Assistencialismo, decididamente, é uma palavra que
não combina com esses projetos. Alexandre Bhering da
Costa, de 19 anos, sabe muito bem disso. Membro da equipe
que trabalha dia a dia na recuperação do acervo
fotográfico contemporâneo do MIS, ele chegou
ao projeto, encaminhado pelo programa Bolsa Trabalho, da prefeitura,
sem ter idéia do que significava recuperar uma foto.
"Eu nem sabia fotografar", lembra-se. Hoje, o rapaz,
um dos talentos do grupo, está habilitado a atuar em
várias etapas desse tipo de restauração,
assegura a coordenadora técnica do projeto, Adriana
Villela. "Ele já participou de um projeto na Nestlé
e acabou de entrar na faculdade de Fotografia", diz,
orgulhosa, Adriana.
Uma das idealizadoras do projeto, Adriana Villela o colocou
em prática em agosto de 2003, graças ao financiamento
da Vitae e à ajuda de outros parceiros. Entre eles,
profissionais do Centro de Conservação e Preservação
Fotográfica da Funarte, do Rio, que, estiveram em São
Paulo conduzindo um intensivo de uma semana de formação
técnica para os dez jovens do projeto - além
de prestarem consultoria técnica e manterem um acompanhamento
mensal. "A gente queria fazer uma geral nesta coleção
contemporânea, mas precisávamos de uma equipe
que trabalhasse mais ou menos no mesmo nível",
explica ela. O projeto prevê a limpeza e substituição
de 13 mil ampliações fotográficas, 30
mil slides, 34 mil ampliações originais, entre
outros materiais. A idéia é que esses jovens
se aperfeiçoem ainda mais. Para isso, precisam da ajuda
de novos apoiadores.
O Projeto Jovens Montadores também está em
busca de patrocínio. Hoje, conta com 26 jovens de baixa
renda, que passaram por um processo de capacitação.
De março a setembro, tiveram cursos de marcenaria,
elétrica, embalagem, pintura e iniciação
à história da arte, além de visitas a
museus e exposições. Já colocaram a mão
na massa em exposições no Lord Hotel, em São
Paulo, outro em Atibaia, no 1.º Salão Aberto,
na Casa das Retortas (este último, um dos mais trabalhosos,
na opinião do grupo, mas também um dos mais
gratificantes). Segundo Clara Perino, criadora do projeto,
este é um momento crucial para seus jovens montadores
deslancharem na carreira de vez.
"Eles têm de fazer nome, por isso estou procurando
encaminhá-los", diz. Para ela, seus pupilos possuem
todas as qualificações para isso. "Aqueles
que percebem que têm condições, demonstram
vontade de continuar, querem se aperfeiçoar."
Agora então, o empenho em continuar tem de ser redobrado,
pois, com o fim da parceria com o Bolsa Trabalho, eles não
recebem mais o auxílio de R$ 180 mensais. Dependem
dos trabalhos que aparecem. "Eles estão se dando
bem, essa vontade é muito importante", acredita
Clara. Michel Martins Gutierrez, de 18 anos, é um desses
casos que tem tudo para se dar bem nesse ramo. Clara o elogia,
diz que ele leva muito jeito para artes plásticas.
"Quero continuar na carreira, mas penso em fazer faculdade",
planeja. "Antes do projeto, eu pensava que, para montar
uma exposição, bastava pregar o quadro na parede.
Não sabia que era tudo isso."
Uma generosa porção de determinação
move também os alunos das Oficinas Culturais Anchieta
(OCA), aplicadas dentro do Pátio do Colégio.
Criadas após o fim da restauração do
museu do Pátio, as aulas foram organizadas com a proposta
de aproximar o trabalho de restauro de jovens da periferia,
há cerca de dois anos. "Na realidade, a idéia
é formar conservadores de arte. É conservar
para não restaurar", explica a restauradora Flávia
Vidal, monitora da OCA. O projeto reuniu cerca de 30 jovens,
entre 12 e 17 anos. Mas um longo caminho os conduz ao trabalho
de restauro de fato. "Eles começam com artesanato
para ter um primeiro contato com a arte. Do artesanato partem
para a decupagem, as técnicas de colagem com pintura,
técnicas de pintura, folha de ouro", detalha.
No ateliê, as peças que eles produzem são
colocadas à venda e ganham uma porcentagem sobre cada
uma delas. Alguns jovens estão na mira de Flávia
para continuar no projeto, até mesmo atuando na futura
restauração da igreja do Pátio (quando
este projeto conseguir patrocínio). "O Brasil
acha que restaurador é elite e isso tem de acabar",
acredita Flávia. "Enquanto em qualquer lugar há
coisa para consertar, sempre vai existir trabalho para todos."
ADRIANA DEL RÉ
do jornal O Estado de S. Paulo
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