Desde que começou a estudar,
Jean Soares Pessoa, de 12 anos, acostumou-se a ser chamado
por apelidos pejorativos na escola em Rio Verde, no interior
de Goiás. Seus colegas o tratavam dessa forma por causa
de uma doença chamada ptose palpebral, que Jean apresentava
desde que nasceu: sua pálpebra direita era rebaixada,
causando a obstrução parcial do olho. Para ele,
era irritante ouvir dos amigos apelidos, o mais incomodo,
no entanto, eram as constantes dores de cabeça que
sentia aos estudar. “Todo dia, a dor de cabeça
era tanta que eu não conseguia fazer minhas tarefas”,
lembra Jean. Como seus pais não podiam pagar os R$
2,5 mil de uma cirurgia para corrigir a ptose, o jeito era
conviver com a dor, estudando menos do que poderia em condições
normais.
No começo de julho, porém, Jean foi à
mesa de cirurgia para corrigir a posição da
pálpebra. Isso graças ao projeto Boa Visão,
da Fundação Jaime Câmara, que desde 1997
oferece consultas oftalmológicas gratuitas a alunos
de escolas municipais em Goiânia, Aruanã e Rio
Verde. Quando necessário, os médicos receitam
óculos, fazem tratamento ou cirurgia – sempre
de graça. O objetivo do programa, cadastrado no Banco
de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do
Brasil, é proporcionar correção visual
e prevenir a cegueira para garantir a melhoria do desempenho
dos estudantes e, com isso, reduzir a evasão escolar.
“Um aluno pode tirar notas ruins por não enxergar
como deveria e não ter consciência disso porque
os pais nunca puderam levá-lo ao oftalmologista”,
diz Luiz Antônio Araújo, diretor de projetos
da Fundação Jaime Câmara.
Tudo começou em 1995, quando o oftalmologista mineiro
João Nassarala chegou a Goiânia para trabalhar
no Instituto de Olhos. Ele aceitou o convite disposto a criar
um projeto de assistência à população
de baixa renda – em especial, crianças carentes.
“O pobre, no Brasil, não tem acesso ao que deveria.
Na Europa e nos Estados Unidos, os carentes são atendidos”,
diz Nassarala, que não abria mão de ter equipamentos
para atender a qualquer tipo de problema na visão.
Mas se o instituto contava com os médicos e aparelhos
com tecnologia de ponta, faltava um meio para atrair as crianças.
Aí entrou a parceria com a Fundação Jaime
Câmara, criada também em 1995 e que conta entre
seus objetivos se dedicar à deficiência visual,
já que seu patrono havia sido diretor do Instituto
de Olhos. Cabia à fundação fazer contato
com a prefeitura para chamar alunos das escolas municipais
(desde o início, lanches eram oferecidos para atraí-los
às consultas).
No começo, os alunos eram atendidos no Instituto de
Olhos, aos sábados, para não prejudicar o atendimento
particular já prestado pelo médico. Porém,
muitas crianças não iam porque os pais não
autorizavam, com medo de haver algum acidente com os filhos.
Então, para atender a todos que gostaria o doutor Nassarala
se inspirou em um projeto administrado pela Fundação
Hilton Rocha, em Belo Horizonte, Minas Gerais, que usava unidades
volantes para oferecer consultas oftalmológicas em
comunidades de baixa renda.
A idéia é bem simples. Quem apresenta sintomas
que sugerem algum problema de visão é encaminhado
a um consultório no ônibus. Após a consulta,
os alunos que precisam de óculos pegam a receita e
podem escolher na mesma hora o modelo, que recebem de graça
na própria sala de aula – quem paga por eles
é a fundação, enquanto as consultas são
pagas pelas prefeituras de acordo com a tabela do SUS (cada
consulta custa cerca de R$ 2). Quando há necessidade
de algum tratamento ou cirurgia, o aluno é encaminhado
ao instituto.
Ir onde o povo está
Ao todo, mais de 200 mil alunos do ensino fundamental
e adultos em alfabetização já foram atendidos
– incluindo crianças da aldeia carajá,
em Aruanã. Entre os alunos atendidos, 31 mil foram
examinados nos ônibus, sendo que mais de 11,5 mil receberam
óculos. Os casos que exigem a ida do aluno até
o Instituto de Olhos não chegam a 5% do total.
A professora desempregada Ana Josefa da Conceição
é uma das mães gratas ao projeto. Sem ele, não
teria condições de comprar óculos para
corrigir a miopia dos filhos Aloísio e Túlio,
de 11 e 7 anos. “O par de óculos mais simples
custa R$ 300. Fica muito difícil pagar”, diz
Ana Josefa, cujo marido é carpinteiro aposentado. “Depois
que passaram a usar os óculos, as crianças estão
com menos dificuldade de aprender.”
Zaida Guimarães, secretária municipal de Educação
de Rio Verde, já está acostumada a ouvir relatos
parecidos com o de Ana Josefa: “muitos pais e professores
têm comentado a melhoria das crianças na escola”,
diz ela, que cadastrou sua cidade para receber o projeto por
solicitação do sindicato rural de Rio Verde.
Graças a seus resultados, o Boa Visão teve
reconhecimento público do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) e foi usado como modelo
por cidades que o conheceram em congressos de oftalmologia.
Segundo Luís Antônio Araújo, da Fundação
Jaime Câmara, um dos próximos passos é
preparar um levantamento estatístico que ateste essa
melhoria em números.
Nos planos do doutor Nassarala também estão
a ampliação do atendimento para outras cidades
e a instalação de unidades cirúrgicas
nas localidades atualmente incluídas no projeto. Além
disso, ele pretende um dia oferecer tratamento para catarata
para idosos em ônibus itinerantes. “Se não
vamos lá, eles não vêm aqui”, conclui
Nassarala.
As informações são da Fundação
Banco do Brasil.
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