A delicada arte de construir instrumentos
de corda de forma artesanal será ensinada aos jovens
do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a partir
de setembro. A oficina de luthier – como é chamado
esse tipo de artesão – começou na Baixada
Fluminense, em São João do Meriti, em 1999.
E já ensinou o raro ofício, dominado por poucos
no Brasil, a cerca de 50 jovens.
A oportunidade agora será ampliada a novos estudantes,
com a abertura de uma nova sede da ONG Geração
de Semelhante, responsável pelo curso. Como instrutores,
os próprios ex-alunos. A iniciativa de abrir a oficina
foi do psicólogo Sebastião da Silva Rodrigues,
o Sebaba, de 49 anos, fundador da ONG, e do luthier Manoel
Benedito dos Santos, de 63 anos. "O projeto surgiu da
necessidade de dar escolha aos meninos, ensinando uma profissão
digna que os permita gerar renda com a venda dos instrumentos",
conta Sebaba.
No curso, os alunos aprendem todo tipo de técnica
relacionada à marcenaria para depois construir o instrumento.
O professor da ONG Moizes Gonçalves de Araújo,
de 50 anos, marceneiro e luthier, também aprendeu o
ofício de graça, depois de muito perturbar Manoel,
que já tinha sua própria oficina.
"Aprendi muita coisa e passar para as crianças
é uma recompensa para mim", revela Moizes, que
também ajudará a formar uma orquestra de cavaquinho.
Segundo ele, construir um instrumento leva cerca de um mês.
O preço de venda varia de R$ 100 a R$ 1.500, dependendo
do tipo de madeira e da fabricação. Geralmente,
usa-se na montagem de um cavaquinho vários tipos de
pinho - como os da Noruega, Suécia e Canadá.
Para a traseira, utiliza-se o talo ou jacarandá.
Perspectiva de futuro
Ex-aluna da unidade de São João e uma
das instrutoras do novo espaço do Jacarezinho, Clara
Cristina Paixão de Oliveira, de 21 anos, afirma que
o curso lhe deu perspectiva de um futuro melhor. Além
de luteria, ela ensinará dança aos jovens da
comunidade. E o que é melhor: receberá pelo
trabalho.
Moradora de São João de Meriti, ela já
foi rainha de bateria do grupo Flor do Amanhã, projeto
social criado por Joãosinho Trinta, do qual o psicólogo
Sebastião também fazia parte. Depois, Clara
entrou para a oficina de cavaquinho oferecida pela ONG.
Ela conta que os alunos aprendem a serrar a madeira e a ler
notas musicais, a partitura e a tocar. “Ter seu próprio
instrumento, isso ninguém pode tirar de você.
Você sabe que deu seu suor, mas no final exibe com orgulho:
‘fui eu que fiz’. Não vendo o meu por nada",
ressalta ela.
Batente no bar
Alguns alunos que passaram pelo curso foram fisgados
pela música. E decidiram seguir carreira. Como os estudantes
Anselmo, Pablo e Marcelo, que também deverão
fazer parte do grupo de instrutores do Jacarezinho.
Os três aproveitaram a chance para dar uma guinada
na vida. Pablo Rodrigues, 22 anos, morador de Pilares, na
Zona Norte, e Marcelo da Rocha Militão, 23, morador
de São João, hoje complementam o orçamento
tocando em bares nos fins de semana.
Já Anselmo Salgado Ferreira, de 26 anos, está
cursando o quinto período da Escola de Música
de São João de Meriti. Para ele, a mudança
foi radical, porque seu sonho era ser mecânico. Agora,
estuda para ser um músico reconhecido, sonho que persegue
com firmeza e dedicação.
"Quando entrei para a oficina, não dava muito
valor. Achava que apenas os meninos ricos podiam estudar música,
mas mudou a minha vida. Foi paixão à primeira
vista”, conta o rapaz. Ele começou a tocar cavaquinho,
violão e clarinete e começou seu “objetivo
de vida”. “Assim fui me dedicando cada vez mais
e quero ser músico profissional", revela Anselmo,
que toca na banda municipal de São João.
Marcelo, que toca violão e cavaquinho, diz que sossegou
na vida. "Andava muito na rua, à toa. Agora prefiro
ficar em casa estudando música". Todos os fins
de semana, seu grupo Canto sensual se apresenta em lugares
variados do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense.
Pablo faz sucesso tocando cavaquinho e banjo na noite carioca.
Adepto do samba de raiz, ele já se arrisca a compor
suas primeiras canções, sempre focando o sonho
de um dia viver somente da profissão de músico.
"O curso me fez ver que tenho dom", confessa.
Primeira namorada
O novo espaço da Geração de
Semelhante foi cedido pelo Espaço Fama, que está
abrindo uma unidade na entrada da favela, na rua Viúva
Claudio. No local, haverá promoção de
shows e, no prédio anexo, funcionará a ONG.
Novos patrocinadores estão sendo buscados para aumentar
a abrangência dos programas.
Além de marcenaria e luteria, Sebastião pretende
desenvolver a Usina da Alegria, com aulas de dança;
o Projeto Memória do Jacarezinho; e o programa Gestão
da Terceira Idade. Este último visa capacitar pessoas
da comunidade para o trabalho com crianças, em oficinas
de papel e na formação de um grupo de bombeiros
mirins.
Todos os projetos serão oferecidos aos moradores gratuitamente.
O espaço, que está passando por obras de adaptação,
deverá ser inaugurado no próximo dia 17 de setembro.
Sebastião adianta que está negociando outro
espaço no Centro Cultural Cartola, na Mangueira.
Mais uma leva de nove artesãos musicais saiu de um
outro projeto - a Usina de Cidadania -oferecido para as comunidades
da região da Maré, Caju, Benfica e Manguinhos.
Concluído em julho, com Sebastião como colaborador,
o projeto é patrocinado pela Refinaria e tem apoio
profissionalizante do Senai.
O auxiliar de escritório aposentado Cid Marciano,
de 55 anos, morador do Parque Erédia de Sá,
em Benfica, um dos formandos do curso, acha que ser luthier
é uma função bonita.
"O primeiro cavaquinho é que nem a primeira namorada.
É emocionante ver a transformação daquele
toco de madeira ganhando forma". No momento, ele planeja
montar uma oficina de marcenaria com outros colegas do curso.
SÍLVIA NORONHA
do site Viva Favela
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