A aula começa, mas os alunos
não tomam notas nem o professor assume a atitude de
superior hierárquico. Estão todos sentados em
confortáveis poltronas como numa conversa informal
entre amigos.
Às vezes a aula é interrompida para um vinho.
Ela pode variar de uma simples explicação sobre
o tema filosófico da caverna platônica a uma
complexa discussão sobre singularidade no universo
quântico, passando pelo erotismo de Don Juan e suas
implicações na chamada literatura libertina.
A aula, claro, não está sendo ministrada em
nenhuma universidade, mas na recém-inaugurada Casa
do Saber, em São Paulo, instituição que,
em quatro meses de existência, já conta com mais
de mil alunos inscritos nos 36 cursos oferecidos neste semestre.
Como a Casa do Saber, criada por quatro sócios que
se reuniam informalmente para estudar, vários outros
cursos livres de difusão cultural estão atraindo
uma seleta platéia formada por executivos, profissionais
liberais e socialites. Há professores para todas as
disciplinas, da pintura à música, passando por
literatura, cinema, teatro, política, filosofia, psicanálise
e até religião.
O interessado pode aprender sobre Guimarães Rosa em
quatro aulas e, no mês seguinte, começar um curso
sobre o cinema de Antonioni, o teatro de Artaud ou a pintura
de Mark Rothko, passando depois para a música de Schoenberg
ou a poesia concreta dos irmãos Campos com a atriz
Maria Fernanda Cândido – isso mesmo, a bonitona
de Um só Coração e uma das sócias
da Casa do Saber.
Em tempo: os outros sócios, o secretário de
Educação Gabriel Chalita e o editor Luiz Felipe
D’Ávila, criador da revista Bravo, também
dão aulas este semestre, mas a lotação
está esgotada.
Nomes respeitados
Os cursos livres são o maior fenômeno da temporada.
Ministrados por respeitados intelectuais paulistas –
críticos como Rodrigo Naves, Inácio Araújo
e Davi Arrigucci Jr., diretores de teatro como Ulysses Cruz,
professores universitários como José Miguel
Wisnik e artistas como o pintor Paulo Pasta –, esses
cursos de curta duração são dirigidos
a pessoas sem tempo para estudar exaustivamente um tema ou
um autor e que procuram, em função disso, especialistas
na área.
Por vezes os cursos são substituídos por aulas
in loco, como na escola de arte do Masp, que promove visitas
guiadas ao acervo, ou nos passeios organizados pelo Instituto
de Arte na Escola, dirigido pela empresária Evelyn
Ioschpe. Com vasta experiência na área, a ex-diretora
de Educação da Bienal de São Paulo costuma
reunir um grupo de socialites interessadas no assunto, que
hoje dividem o tempo entre compras na Daslu e telas de Volpi.
O fenômeno tem explicações diversas.
Uma delas aponta o difícil diálogo interdisciplinar
no meio acadêmico. Economistas concluem o curso universitário
sem conhecer uma só nota musical. Dentistas mexem com
cirurgia estética, mas são incapazes de apontar
diferenças entre Mira Schendel e Eduardo Sued. Engenheiros
erguem pontes sem nunca ter lido uma só linha de Manuel
Bandeira.
Legitimação e falta de tempo
O colunista César Giobbi, do Estado, observa que jovens
executivos, transformados em novos ricos, estão entre
os primeiros a buscar a legitimação social pela
cultura, lotando esses cursos rápidos. As megaexposições,
conclui Giobbi, acabaram colocando em pauta discussões
sobre temas pouco familiares nas rodas sociais. A solução,
diz, é procurar um mestre no assunto. Ou ficar fora
da conversa (e perder dinheiro, status ou ambos).
Há outras explicações para o fenômeno.
São Paulo é uma cidade com trânsito agitado
e pessoas ocupadas demais para voltar à universidade.
A pintora Liana Virdis, casada com um médico, arranjou
um meio de estudar história da arte e cinema ao mesmo
tempo, recuperando as horas perdidas num curso superior malfeito.
“No tempo em que estudei artes visuais, isto é,
nos anos 70, os professores só falavam em arte conceitual
e performance, praticamente proibindo discussões sobre
pintura e outras mídias.” A alternativa para
compensar essa deficiente formação foi procurar
os cursos dos críticos Rodrigo Naves e Inácio
Araújo, também com lotação esgotada
até o fim do ano.
As informações são
da Agência Estado.
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