Caixa d'água é lugar
de... lazer e cultura. Pelo menos na Praça dos Cadetes,
em Realengo, na Zona Oeste do Rio. Lá, um grupo de
moradores trabalha para transformar a construção
da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), praticamente
desativada e usada como abrigo para usuários de drogas
há anos, em espaço cultural. Intitulado POP
– Pólo de Irradiação Cultural,
o projeto prevê a instalação de uma biblioteca
popular, sala de CDs e vídeos, além de computadores
conectados à internet. E já começa a
sair do papel, na base de parcerias, mutirão e doações.
O artista Ângelo José Ignácio, de 46
anos, teve a idéia de criar um centro cultural no bairro
em 1992, quando passou a integrar o Fórum de Arte e
Cultura do Rio de Janeiro. Há três anos, ainda
no Fórum, participou de um estudo envolvendo dados
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
da Fundação Getúlio Vargas e do Iplan-Rio
(órgão da Prefeitura). “Observamos a existência
de apenas uma aparelhagem cultural (como teatro e cinema)
para cada 2.225 moradores. Ficou demonstrada a necessidade
da criação de espaços culturais em toda
a cidade e eu, como morador, vejo em especial a carência
da Zona Oeste”, explica.
Por sua vez, Murillo Pinto da Silva, de 71 anos e presidente
da associação de moradores Amoreti buscava opções
para o aproveitamento da caixa d’água de 26 metros
de altura e 20 metros de circunferência. Um verdadeiro
elefante branco na praça que atualmente está
sendo reformada pela Prefeitura. “Depois da obra, a
área de lazer será ainda mais freqüentada
e aquele espaço ocioso da caixa deve dar lugar a algo
produtivo para os jovens e outros moradores”, defende
Murillo.
E com razão. Afinal, segundo dados das associações
de moradores locais, cerca de 2.500 pessoas freqüentam
a praça aos domingos. “Foi aí que, conversando
com o Ângelo e outros amigos como o Luiz Carlos Chaves,
da AMAI - Associação de Moradores do Antigo
IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários)
e Rubens Antônio da Silva, da Associação
dos Inativos, a primeira a surgir no Brasil, resolvemos unir
nossos interesses numa só idéia. E fazer daquele
castelo d’água a sede de um pólo cultural”,
explica Murillo.
15 anos sem aluguel
Eles mergulharam de cabeça na idéia.
Murillo procurou a Companhia Estadual de Águas e Esgotos,
responsável pelo imóvel, e buscou parceria.
“Disse a eles que não queríamos verba,
expliquei nossas idéias e graças às diretoras
de marketing da Cedae, Cláudia Batista e Cláudia
Matos, tivemos aprovação na hora. Há
cerca de quatro meses estamos com a documentação
para gerir o espaço”, comemora ele, que vai poder
usar o imóvel sem pagar aluguel durante 15 anos. “Como
condição devemos manter as tubulações
internas da caixa e disponibilizá-la imediatamente
em caso emergencial e necessidade de utilidade pública”,
ressalta o presidente da Amoreti.
A moradora Maria de Lurdes de Oliveira, de 54 anos, aprova
o projeto. “A caixa já era para uso dos moradores
do antigo IAPI no passado e uma iniciativa que reaproveite
o prédio trazendo cultura, nos será ainda mais
útil hoje”, diz a dona-de-casa.
Os planos são ambiciosos. Incluem aproveitar toda
a estrutura da caixa e criar um ambiente com três andares.
“Construiremos três mezaninos. O primeiro andar
será o espaço dedicado às crianças,
com vídeos e gibis; o segundo, para os jovens com computadores
ligados à internet, e o terceiro, para adultos com
CDs, livros e revistas. O que se quer é um espaço
descontraído e não um local sisudo de pesquisa;
até porque bibliotecas com livros didáticos
as escolas já possuem”, diz Ângelo.
Para passar da idéia ao papel, os idealizadores do
projeto contam com a ajuda voluntária da estudante
de arquitetura Fernanda Dias Mihessen, que já começou
a esboçar a planta de seu projeto. “Estava procurando
realmente um espaço para iniciar meu estudo quando
soube das idéias deles. Eu já conhecia o Luiz
da AMAI, o que me motivou ainda mais a participar de um trabalho
que visa uma idéia tão bacana para esta região”,
diz a moradora de Realengo, de 19 anos.
400 livros já doados
Fora os mezaninos, eles planejam a construção
de uma espécie de varanda ligada à caixa d’água.
“O objetivo é ampliar o espaço, criando
um ambiente externo possivelmente aproveitado para espetáculos
teatrais e de dança. Para que as idéias boladas
para o prédio possam interagir com o entorno. Isso
também seria uma maneira de atrair os freqüentadores
que buscam lazer nas praças”, explica Fernanda.
O projeto aposta na política de boa vizinhança.
“Queremos também incentivar a realização
de atividades culturais na Escola Municipal Baronesa de Saavedra,
colada à Praça dos Cadetes, e promover atividades
de leitura a céu aberto aproveitando o espaço
da praça”, acrescenta o artista.
Por enquanto, eles já arrecadaram mais de 400 livros
doados por moradores – incluindo títulos de arte,
política, didáticos e romances. “Queremos
abrir o espaço mesmo antes das obras dos mezaninos.
A construção externa do projeto da Fernanda
e a instalação de computadores serão
a última etapa, porque ambos necessitam de verba e
o primeiro ainda esbarra na burocracia de se querer mexer
num espaço público da prefeitura”, explica
Ângelo.
Ele acrescenta que já estão providenciando
a inclusão do projeto na lei de incentivos fiscais
e fazendo contato com empresas e indústrias da região,
como fábricas de cimento e outros materiais de construção.
“Nesta semana um mutirão formado por moradores
e amigos fará a limpeza do prédio e as primeiras
atividades vão começar ainda este ano“,
conta.
Freqüentador da praça, o skatista Marcelo Freitas
da Silva, de 22 anos, está ansioso para a inauguração
do Pólo. “Muitos acham que a galera do skate
não tem interesse por atividades culturais. Mas isso
não é uma posição dos skatistas.
Acho muito dez atividades como grafite e teatro. Se os jovens
perceberem que há abertura para eles participarem,
muitos vão se animar”, diz o estudante de publicidade.
Ângelo garante atividades atrativas como o grafite:
“Inclusive a pintura externa do prédio será
uma obra artística que homenageará, através
da pintura, personalidades que fizeram a história do
bairro. Uma inspiração no trabalho do artista
mexicano Diego Rivera, que sempre valorizou o seu país
e a sua cultura, e que cobrirá a pintura feita arbitrariamente
pela Prefeitura”.
Já o muro da escola Baronesa de Saavedra deverá
ganhar 40 painéis, além da pista de skate que
também será grafitada por artistas da região
num festival de pintura, previsto para acontecer em setembro.
“O que se quer é garantir um espaço onde
todos possam participar”, conta o artista plástico.
Integrante do projeto Jovens Pela Paz, do governo do estado,
Leandro Cordeiros, de 18 anos, já está participando.
“Dou uma ajuda organizando os livros e revistas”.
Por enquanto, a mão-de-obra é só voluntária.
“Adoraria trabalhar aqui porque estaria num ambiente
maneiro e ajudando a incentivar a cultura. Desta forma também
estaria promovendo a paz, já que a arte e a leitura
abrem nossa mente”, sonha Leandro. No que depender do
Pólo, muita cultura ainda vai rolar naquela caixa.
ANA CAROLINA MIGUEL
do site Viva Favela
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