Os anos de convivência das
40 famílias que vivem na Vila União, no Rio,
estão com os dias contados. Comunidade pobre formada
por casas simples - algumas de alvenaria, outras de madeira
-, a vila vai desaparecer. Seu pecado: ficar no meio do caminho
da Linha 4 do Metrô, idealizada para ligar o restante
da cidade à Barra da Tijuca, bairro de alto poder aquisitivo
que sediará boa parte dos Jogos Pan-Americanos de 2007.
A obra, prevista para durar 30 meses, deve começar
já no final deste ano. Um dos espaços mais cobiçados
do Rio, a Barra da Tijuca já foi terra de ninguém
antes do boom promovido pela especulação imobiliária
que tomou conta do bairro a partir da década de 80.
Antes disso, os moradores da área buscavam não
só tranqüilidade, como também a comodidade
de morar perto do trabalho.
No início dos anos 50, meio por acaso, um pequeno
grupo de pioneiros formou a Vila União. Localizada
à margem da Lagoa da Tijuca e à beira de uma
das mais movimentadas vias de acesso da região, a Avenida
Armando Lombardi, não é de hoje que a comunidade
convive com o risco de remoção.
Impacto ambiental
“O percurso é praticamente reto. Vem
pelas rochas, passa pela lagoa, e vai dar justamente no terreno
da comunidade, que é uma área pública.
Tudo indica que esses moradores estão ilegais e, infelizmente,
não existe outra alternativa além da remoção”,
diz Carlos Montano, diretor da empresa Agrar, uma das que
fizeram a análise do impacto ambiental da obra.
Os moradores da Vila União não concordam. “Desde
que a Barra se tornou um bairro de classe média alta,
valorizado comercialmente, volta e meia surge uma história
de que temos que sair, que estamos numa área pública,
que somos ilegais”, reclama Custódia Dias Pereira,
49 anos, presidente da associação de moradores
da Vila União.
Na hora de pensarem em removê-los, diz Custódia,
sempre existe um motivo diferente em relação
ao desenvolvimento da cidade: “Ora é a construção
de uma ponte, ora o alargamento da pista. E agora vem o metrô.
Por que toda vez é justamente no nosso terreno? Todos
os levantamentos e estudos só conhecem essa área?”,
questiona.
Segundo Carlos Montano, a questão é puramente
técnica: “Fizemos um estudo de impacto ambiental
e tivemos que traçar uma direção para
não causar maiores danos, tanto à natureza quanto
às construções, ao trânsito, enfim,
à rotina da cidade”.
Representante da segunda geração de moradores
da região, Custódia conta que seu pai, quando
era solteiro, costumava pescar na Lagoa. Quando se casou,
ele decidiu se mudar para lá.
”Eram umas dez famílias. Assim como eu, meus
irmãos e os filhos dos outros moradores foram crescendo,
casando, fazendo as suas casas”, diz a líder
comunitária. Atualmente, são 40 famílias
e cinco estabelecimentos comerciais.
Todos, garante Custódia, têm concessão
de posse. “Durante anos pagamos à União
uma taxa de ocupação e somos reconhecidos como
foreiros dessa área”, explica a presidente, que
desde a fundação ‘oficial’ da Vila
União, em 1977, luta pelos direitos da comunidade.
“Nós não éramos organizados, nem
tínhamos nome, não sabíamos de nada.
Mas tivemos que correr atrás, criar uma associação
de moradores. Nessa época começaram as investidas
e ameaças de remoção”, conta ela.
Floresta derrubada
Dessa vez, parece que não há saída.
Os cinco mil metros de extensão, e a localização
em terreno plano, são considerados ideais para o pátio
do centro de manutenção dos trens. A maior parte
do trecho dessa primeira parte da Linha 4, entre o Jardim
Oceânico e Gávea, será feita através
das rochas, pelos morros que ligam os bairros.
Além da remoção da comunidade, estão
previstos também o desmatamento de 1.800 metros quadrados
de floresta, na Estrada da Gávea, em São Conrado;
a transferência, durante as obras, do Posto de Saúde
Píndaro de Carvalho Rodrigues (na Gávea); e
a redução do número de vagas no estacionamento
da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica).
Há seis anos, depois das várias ameaças
de remoção, os moradores da Vila União
cansaram de lutar sozinhos e resolveram buscar ajuda na Fundação
e Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião.
Advogada há dez anos da Bento Rubião, Jane
Lisboa de Abreu é quem cuida do caso. Sua luta, em
princípio, é pela permanência da Vila
União. “Trata-se de uma comunidade legal que
adquiriu seus direitos com os anos e que nunca deixou de pagar
as suas obrigações”, diz a advogada.
Ela diz que não recebeu até agora nenhuma informação
oficial sobre a retirada dos moradores por causa da Linha
4 do Metrô: “Se isso for mesmo inevitável,
vamos ter que negociar. Ou toda a comunidade será removida
para um terreno próximo, o que é garantido pela
lei orgânica do município, ou então os
moradores receberão um valor igual para todos pela
indenização pelo imóvel”.
Custódia diz que alguns moradores não querem
sair daqui de jeito nenhum, "mas a grande maioria já
aceita essa condição, desde que todos sejam
indenizados igualmente”.
Filha do primeiro morador da região, Marinete da Silva
Rodrigues está entre os que não suportam a idéia
de sair dali. Ela confessa que já ficou doente só
em pensar na possibilidade de deixar a casa, construída
pelos pais e reformada pelo marido. Mais do que o valor financeiro,
o imóvel simboliza a história de sua família.
Obrigações pagas
“É muito triste, mas também não
deixa de ser desgastante conviver a todo momento com esse
papo de remoção. Estamos cansados e querendo
resolver a situação de uma forma favorável
“, observa a dona-de-casa.
Aos 61 anos, ela gostaria que toda a comunidade fosse removida
para um outro terreno na Barra. “Todos se conhecem há
anos e isso seria o ideal e o justo. Mas se não for
possível, que pelo menos cada um possa ganhar uma grana
para comprar uma casa num lugar decente”, espera.
Menos conformado está o motorista autônomo José
Carlos de Oliveira. Aos 52 anos, 30 deles morando na Vila,
ele evita até tocar no assunto: “Não me
conformo e mesmo sabendo que dessa vez o caso é mais
complicado do que os anteriores ainda tenho fé de que
vamos ficar”.
Já o segundo morador mais antigo da localidade, José
Guilherme Sobrinho, 62 anos, conhecido como Marreco, está
pessimista em relação à permanência.
O pequeno comerciante faz as contas, tentando projetar a indenização.
“Preciso de uma quantia suficiente para pagar as minhas
dívidas e ainda conseguir comprar uma casa em Jacarepaguá.
Acho que mais ou menos R$ 50 mil vai dar”, calcula.
Prefeitura desconhece comunidade
Para a advogada Jane, a grande questão está
no fato de a Vila União ser uma comunidade pobre, relativamente
pequena e, por isso, aparentemente mais fácil de ser
removida. “Mais à frente tem um terreno onde
está localizado um shopping center e atrás da
comunidade existe um clube social. Fico me perguntando se
o estudo de impacto ambiental não levou em conta isso
na hora de definir o traçado e a instalação
do centro de manutenção justamente no terreno
daqueles moradores”, salienta.
A Concessionária Rio-Barra será a responsável
pela construção do trecho Gávea-Jardim.
A obra está orçada em mais de R$ 1,3 bilhão,
cabendo à Prefeitura R$ 616 milhões e à
Rio-Barra, R$ 764 milhões.
O projeto ainda está em sua primeira fase, quando
deve ser obtida a licença prévia. Segundo a
assessoria da Concessionária Rio-Barra, o presidente
da Companhia, José Lima, já confirmou que todas
as famílias da Vila União serão indenizadas.
Todos os casos serão analisados e negociados de acordo
com os critérios estabelecidos em lei, garantem.
A subprefeitura da Barra da Tijuca foi procurada para se
posicionar sobre o futuro da Vila União, situada na
Avenida Armando Lombardi, número 300, mas a assessoria
de imprensa do órgão informou “desconhecer
a existência da comunidade na região”.
ANA CORA LIMA
do site Viva Favela
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