Na lojinha do MAC, o Museu de Arte
Contemporânea de Niterói (estado do Rio), os
blocos, luminárias, porta-retratos, cadernos e agendas
feitos de papel reciclado chamam a atenção dos
turistas. Bonitos e ecologicamente corretos, eles vêm
ajudando jovens de baixa renda a completar o orçamento
familiar - faturam, pelo menos, R$ 50 por mês. O trabalho
já conquistou clientes de peso, como a Petrobras e
a prefeitura de Niterói.
Para a artista plástica Eliane Carrapateira Ribeiro,
de 52 anos, coordenadora da oficina de onde saem os objetos,
produzidos por 18 jovens, a arte é um veículo
de crescimento. “Além de incentivar os jovens
a voltar a estudar, ela pode despertar o olhar para outras
questões, como a ambiental”, diz a artista plástica,
idealizadora da oficina, que faz parte do projeto Arte Ação
Ambiental, do Núcleo de Educação do Museu
de Arte Contemporânea – MAC.
Eliane faz questão de chamar a atenção
dos alunos para a vertente ecológica do trabalho: “Evitar
o desperdício, reutilizar materiais, reciclar, tudo
isso nós trabalhamos. Eles recebem apostilas e gostam
de saber, por exemplo, que uma tonelada de papel artesanal
evita o corte de 60 árvores”, conta.
R$ 50 por mês
As atividades do Arte Ação Ambiental
têm entre seus objetivos possibilitar a profissionalização
e a educação artística e ambiental do
grupo, além de aproximar a comunidade do Museu de Arte
Contemporânea, em Boa Viagem, Niterói. Para os
jovens do Morro do Palácio, em Niterói, que
fazem parte da oficina de reciclagem de papel, essa é
uma forma de ampliar seus horizontes.
Há cerca de cinco anos, Eliane, então integrante
de um grupo de artistas interessados no debate sobre a arte
pública, elaborou a proposta da oficina de reciclagem
no Morro do Palácio. Um de seus frutos deveria ser
a geração de renda para a comunidade. Apresentada
ao diretor educativo do projeto, Luiz Guilherme Vergara, a
idéia logo foi aprovada. “Percebi que não
adianta ensinar uma atividade se a pessoa não consegue
trabalhar com ela depois. É preciso que o trabalho
encontre espaço para ser divulgado e vendido”,
explica Eliane.
Aos poucos, eles vêm conquistando esse espaço.
Já existem três pontos de venda em Niterói.
Além da lojinha do MAC, os produtos podem ser encontrados
na livraria Veredicto, em Icaraí, e no MKT, espaço
cultural no Campo de São Bento.
O valor obtido com a venda das peças ainda é
baixo, mas os jovens aprendizes contabilizam outros ganhos.
“Vendemos mais quando temos encomendas para eventos.
Fora isso, dá para cada um tirar uns R$ 50 por mês.
O que mais gosto é de aprender coisas novas e passar
para os outros”, diz o aluno e monitor do projeto Elielton
Queirós Rocha, 20 anos, o Telto. “A oficina me
fez ter vontade de completar minha formação
como professor do ensino fundamental”, completa.
Longe das drogas
Segundo Eliane, o grupo já produziu 5 mil
blocos para a Petrobras, encomendados para o Congresso Mundial
de Petróleo, realizado em setembro do ano passado,
e também já forneceu objetos para a Prefeitura
de Niterói, para eventos de projetos como o Médicos
de Família.
É justamente através do Médicos de Família,
aliás, que vem hoje o apoio financeiro, via Prefeitura
de Niterói. “Eles compreenderam que o projeto
é, também, uma ação de saúde
pública. Isso porque o trabalho de criação
incentiva os participantes a estarem longe do vício,
das drogas, das bebidas”, justifica Eliane.
A idéia é que o espaço para realização
das oficinas se amplie, pois segundo a artista plástica
não há lugar suficiente para estocar matéria-prima
e produtos. De acordo com ela, já existe até
um terreno, doado pela prefeitura, e uma verba, para a construção
da sede e compra de equipamentos, aprovada pelo BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A nova instalação, no entanto, esbarra num
entrave burocrático. “O terreno está em
litígio. Já temos nas mãos o projeto
arquitetônico, de autoria do Oscar Niemeyer, contamos
com a verba do BNDES, mas não podemos avançar.
Estamos há dois anos e meio na espera”, lamenta
Eliane. Eles também estão em busca de novas
parcerias que garantam uma bolsa ou ajuda de custo para os
alunos.
Artesanal valorizado
Eles fazem ainda, dentro do projeto, campanhas de
coleta seletiva na comunidade, workshops e consultorias em
outras localidades. A maior parte do material utilizado nas
oficinas é doado por moradores.
Eliane explica que optou pelo papel por ser uma matéria-prima
fácil de se encontrar. “Além disso, você
agrega muito mais valor quando o papel é artesanal.
No mercado, uma folha de papel artesanal custa R$ 6, enquanto
uma cartolina custa R$ 0, 80. Como a venda é feita
em espaços culturais, os compradores valorizam, já
existe uma postura de compromisso ambiental”, compara.
As oficinas de reciclagem tiveram início em julho
de 1999, no próprio MAC - eram 40 alunos, 12 dos quais
são hoje monitores do projeto. Há dois anos
e meio as aulas passaram para o Morro do Palácio, em
parceria com a Associação de Moradores. A cada
dois meses, é feita uma oficina aberta à comunidade,
para recrutar novos interessados. “Nossa única
exigência é que, para freqüentar a oficina,
o aluno esteja na escola”, enfatiza Eliane.
Atualmente, a oficina é composta apenas por homens.
“As mulheres atuavam mais na parte de cartonagem (confecção
e acabamento das peças), já que a elaboração
do papel é um trabalho pesado, que requer força”,
diz Eliane. O aluno Douglas Araújo, 22 anos, é
um dos que mais prezam a presença feminina em sala
de aula. “Pergunto se tem turma com meninas porque elas
prestam mais atenção, já o homem acha
que sabe tudo”, diz ele, também monitor.
Livro nos Estados Unido
Douglas é um exemplo de que a arte pode abrir
novas portas. “Nunca fui ligado nessa coisa. Não
queria nada, pensava só em comer e dormir, achava que
não tinha capacidade. Mas hoje eu acho ótimo,
tenho planos de ser professor de educação artística”,
diz. Indicado por Eliane para ser assistente de uma artista
plástica, Douglas cultiva o hábito de visitar
o Museu de Arte Contemporânea. “Gosto de olhar
as obras para me inspirar. As oficinas também me fizeram
ter vontade de voltar pra sala de aula”, diz.
Ao lado dos alunos Elielton Queiros Rocha, 20 anos, Rodrigo
de Oliveira Paes, 27 anos, Tiago Souza Siqueira, 16 anos,
e Josemias Moreira Filho, 22, Douglas transforma em papel
o que viria a ser lixo. Rodrigo de Oliveira Paes, 27 anos,
não tem dificuldade para apontar o que mais gosta nas
oficinas. “Gosto quando tá todo mundo produzindo
junto e quando surge alguma técnica nova que dá
injeção de ânimo no grupo. Fiz até
uma bandeira do PT e com ela presenteei a esposa do Vice-Presidente
da República. Eles vieram visitar o MAC e nós
fomos os anfitriões”, orgulha-se.
O monitor Elielton ressalta: “Nosso trabalho é
conhecido mundialmente. O Museu é o cartão postal
de Niterói, lá tem sempre turistas e eles acabam
indo na loja e conhecendo nossas peças”.
Entre os alunos mais célebres está Josemias
Moreira Filho, que chegou a ter um livro exportado para a
Fundação Andy Warhol, nos Estados Unidos. “Era
uma colagem com aquela moça da saia que voa”,
diz ele, sem lembrar o nome de Marilyn Monroe.
Do punhal para a águia
Na hora de explicar o passo-a-passo da reciclagem,
o aluno Elielton Rocha propõe uma espécie de
“duelo” ao amigo Josemias Moreira e começa
e enumerar, em ritmo de funk, os papéis que podem e
os que não podem ser reciclados. “Não
pode: carbono, laminado, celofane, higiênico, seda,
todos os que têm plástico e os metálicos”,
diz Telto, dando a deixa para Josemias. “Também
não trabalhamos com jornal porque demora muito para
tirar a tinta. Trabalhamos com: ofício, craft, embalagem
de ovos, caderno velho, a parte interna do saco de cimento,
coador de café, envelopes velhos”, completa.
Professora de educação artística da
Marinha e moradora de um bairro de classe média em
Niterói, Eliane também realizou trabalhos na
Casa da Paz, em Vigário Geral, e na Baixada Fluminense.
Ela gosta de lembrar da época em que optou de vez
pelo trabalho artístico, social e ambiental em comunidades.
O ano era 1982 e um grupo de jovens artistas pretendia colocar
em prática na Rocinha, Zona Sul do Rio, um projeto
de interação escola-comunidade.
“O objetivo era trabalhar diversas linguagens artísticas
para aproximar as escolas comunitárias das escolas
do governo. Integrei um grupo chamado Oito Cores, que era
composto por oito profissionais de diferentes áreas”,
conta Eliane. Mas logo surgiram as dificuldades. “A
princípio, demos de cara na porta. Éramos jovens
cheios de boas intenções mas descobrimos que
a comunidade estava cansada de projetos que não tinham
continuidade. Até que fomos nos integrando, capacitamos
monitores nas próprias escolas e realizamos diversas
oficinas”, lembra.
Foi na oficina de tecido e papel que a artista plástica
conheceu Francisco, um adolescente que andava muito mal na
escola. “Ele quis participar das oficinas, tinha o objetivo
de aprender a colocar suas ilustrações em camisetas.
Quando aprendeu a técnica, começou a imprimir
um punhal em todos os lugares. Conforme íamos trabalhando,
ele passou a imprimir uma águia, o que já é
por si só muito significativo”, recorda.
O mais interessante é que Francisco virou um dos monitores
do projeto, começou a receber encomendas para a comunidade
e, como não sabia escrever, teve vontade de voltar
para a escola. “Foi ele que me fez ter certeza de que
a arte é, acima de tudo, um veículo de crescimento”,
conclui, emocionada.
JULIA DUQUE ESTRADA
do site EcoPop
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