Na pequena sala de aula de uma
escola da periferia da cidade de São Luiz, no Maranhão,
Nizete de Souza Gedeon, 69 anos, se recorda da canção
"Prece ao Vento", uma música que cantava
para ninar seus filhos há muitos anos e que acabou
ficando esquecida. Agora, ela ensina a canção
a adolescentes atentos e curiosos. A música foi o meio
utilizado para integrar Nizete e mais 14 idosos a um grupo
de 25 adolescentes que participam do projeto "Revivendo
Músicas de Ontem", da Associação
dos Amigos da Universidade Integrada da Terceira Idade, desenvolvido
com o apoio do Instituto Junia Rabelo.
O projeto, assim como tantos outros que se multiplicam pelo
país, busca unir gerações, promovendo
uma troca de experiências e saberes em um processo de
crescimento contínuo que se baseia no respeito mútuo
às diferenças de cada fase da vida.
Desde maio, os participantes do projeto se encontram duas
vezes por semana nas oficinas de música, canto e coral
e nas atividades pedagógicas e recreativas. A proposta
é aproveitar o conhecimento dos idosos, principalmente
daqueles que já participavam do coral da associação,
para promover o resgate cultural, trazendo para as aulas músicas
regionais e folclóricas, principalmente aquelas com
vocabulário pouco comum às crianças.
Em contrapartida, crianças e jovens apresentam ao grupo
de idosos as novidades musicais da sua geração.
"Eles [os idosos] ensinam várias coisas que
a gente não conhecia e dão até conselhos.
As músicas antigas são diferentes e até
mais interessantes porque trazem mais coisas para a nossa
vida do que as de agora", compara Luis Guilherme do Nascimento,
11 anos, que adora música e espera aprender logo a
tocar violão. Marta Aurélia Campos Silveira,
coordenadora do projeto, explica que a proposta é também
trabalhar o respeito e os valores que estão se perdendo
na relação com os idosos. "Essa relação
está sendo muito positiva até agora. A gente
tem costume de só se relacionar com as crianças
da família e, quando elas não são de
casa, o desafio é grande, mas gostamos de encarar.
Nós queremos participar, aprender e ajudar", afirma
Nizete.
No projeto, os idosos se tornam ainda "madrinhas"
ou "padrinhos" das crianças e passam a acompanhar
mais de perto o seu dia-a-dia, a fim de colaborar com a família.
Além dos 15 idosos participantes, muitos outros já
se envolveram na ação e atuam como voluntários,
colaborando na organização e coordenação
das ações. "Muitos idosos, que estavam
com depressão nos procuram para participar, pois sempre
quiseram trabalhar com a música e nunca puderam",
comenta Marta Aurélia.
Ampliação
Em breve, o projeto deve incorporar mais 25 adolescentes
nas atividades, que devem também ser ampliadas. Os
participantes irão promover apresentações
musicais para outros grupos de Terceira Idade, farão
visitas às escolas de músicas da região,
além de aprenderem a produzir seus próprios
instrumentos com materiais alternativos, como caixas de papelão.
Ao final do projeto, no mês de fevereiro de 2005, o
grupo irá apresentar o espetáculo "Aurora
e o Entardecer em Festa", ressaltando as belezas de cada
fase da vida. "Vamos procurar outros parceiros para dar
continuidade ao projeto, com o fim do aporte financeiro, e
expandir a ação para outras escolas. A intenção
é que as atividades não terminem já que
os instrumentos serão doados para a instituição
de ensino participante", afirma Marta Aurélia.
O abcd dos vovôs e vovós
Se no projeto "Revivendo Músicas de Ontem"
são idosos que transmitem aos mais jovens seus conhecimentos
sobre a cultura do Maranhão, na iniciativa "Atenção
de 1ª para a 3ª Idade: Ler para Alegrar, Escrever
e Ajudar", são as crianças que levam atenção,
carinho e novas aprendizagens para os mais velhos.
O projeto, elaborado há oito anos pela professora
de Educação Infantil Vânia Aparecida Orlando
de Almeida, promove atividades com os alunos que estão
em fase de alfabetização na EMEB - Escola Municipal
de Educação Básica "Caetano de Campos",
em São Bernardo do Campo, região metropolitana
de São Paulo.
Vânia explica que decidiu elaborar o projeto quando
verificou a falta de respeito dos jovens perante aos idosos.
"Precisava trabalhar com essas questões com os
alunos desde pequenos para que, no futuro, tivessem valores
formados. A proposta é integrar a alfabetização
com esse tema transversal para a mudança de atitudes".
A educadora trabalha o tema com as crianças em sala
de aula, explicando como se dá o processo de envelhecimento
e a velhice, orientando-as sobre as necessidades especiais
deste grupo e de como essas pessoas devem ser tratadas. Depois,
incentiva o grupo de crianças a visitar as 20 idosas
que vivem no asilo Casa do Tio Oscar, no município
vizinho, Santo André, sempre no segundo semestre do
ano.
A cada mês, o grupo de 30 crianças prepara
uma atividade diferente para realizar com as idosas. Na primeira
visita, as crianças escolhem uma história para
contar. Louise Helena Mosca, 6 anos, fala que, no ano passado,
quando participou do projeto, escolheu o relato de Rapunzel,
que já tinha lido para sua avó, para contar
a uma idosa, pois achava a história "muito bonita".
"Gostei também de ajudar elas a passearem pelo
jardim para ver as flores, porque elas não conseguem
fazer tudo sozinhas. Elas ficaram muito contentes", conta.
Em dezembro, as crianças realizam uma festa de encerramento,
junto com a família, e entregam as "sacolinhas
de Natal" com presentes aos idosos. O resultado final
da ação é a elaboração
de uma campanha de solidariedade.
Além das visitas, o tema é trabalhado em sala
de aula de forma transversal. As crianças aprendem
Matemática produzindo gráficos sobre os donativos
e idade dos idosos. Na aula de Língua Portuguesa, as
crianças preparam os convites e cartazes que serão
utilizados durante a campanha de solidariedade. Já
nas aulas de Arte e História os alunos aprendem canções
e danças para apresentaram aos idosos.
Segundo Vânia Aparecida, o que se percebe é
que as crianças passam a ter um outro olhar em relação
aos idosos. "Muitas crianças vão agora
ao supermercado e pedem para os pais deixarem uma pessoa idosa
passar na frente ou querem ajudar a carregar sacolas quando
vêem um senhor passando na rua", conta a professora,
que destaca a mudança na atitude também das
crianças com os próprios avôs.
Alzira Neli dos Santos Mosca, mãe de Louise, conta
que, desde o início do projeto, a filha não
admite mais que qualquer pessoa da família chame um
idoso de velho. O carinho de Louise pelos avós aumentou.
"Hoje, ela diz que nunca vai deixar os avós num
lugar como este e que vai cuidar. São coisas que ela
nunca mais vai esquecer", comenta a mãe, que avalia
pontos positivos também para a família. "Todo
mundo acaba se envolvendo e participando das atividades. É
muito importante porque ensina muito para nós".
Para Maria Amélia Cababresi, 75 anos, que vive há
mais de três anos no asilo, o projeto significa mais
alegria para a casa. Ela ressalta que o carinho e atenção
das crianças são muito importantes para elas.
"É uma beleza porque distrai a gente. Elas são
amorosas e fazem um monte de perguntas. É uma vida
para nós", conta.
Aprender a aprender
Seja as artes plásticas, a dança, o
teatro e até os esportes. Não importa qual for
a atividade escolhida. O que vale é o encontro, a troca,
o conhecimento adquirido entre os participantes, principalmente
se eles soa de gerações diferentes. É
dentro dessa concepção que surge "SESC
Gerações". O programa tem com o objetivo
promover a co-educação entre as diversas faixas
etárias, dando ênfase ao repasse de conhecimentos,
combate ao preconceito etário e estimulo ao convívio
solidário.
O SESC já é reconhecido no país pelas
ações voltadas para a Terceira Idade que desenvolve
há mais de 40 anos. Só no Estado de São
Paulo, mais de 55 mil idosos participam da programação
oferecida pela instituição, que inclui cursos,
palestras, escolas da Terceira Idade, conferências,
oficinas, encontros, simpósios, atividades corporais,
recreativas e sociais.
O novo programa surgiu a partir de um estudo desenvolvido
por José Carlos Ferrigno, psicólogo e especialista
em Gerontologia Social, da Gerência de Estudos e Programas
da Terceira Idade do SESC de São Paulo, que deu origem,
ano passado, ao livro "Co-educação entre
Gerações".
A pesquisa foi realizada com os idosos participantes das
escolas abertas da Terceira Idade do SESC e com jovens monitores.
"Percebi que havia uma troca constante entre as gerações.
No caso dos idosos, eles passam a memória social e
cultural, tanto individual, quanto da família, da cidade
e até da política brasileira. Eles ainda transmitem
uma educação para o envelhecimento, com o seu
próprio exemplo. O jovem diz que quer envelhecer como
tal idoso porque ele é alegre. São modelos que
se criam. Já os adolescentes ensinam a educação
para os novos tempos. Os idosos que convivem com os jovens
têm mais flexibilidade de valores morais como casamento,
aborto. Além disso, é uma educação
para as novas tecnologias, com os computadores, internet",
comenta José Ferrigno.
A partir desta constatação, de acordo com
o coordenador, o principal objetivo do programa foi estabelecido:
enriquecimento humano e cultural que os indivíduos
podem conseguir a partir do aprendizado de um universo desconhecido,
que é a outra geração.
O SESC Gerações está sendo desenhado
e a implementado gradualmente. Todas as unidades que já
desenvolvem ações intergeracionais estão
participando do processo de construção do programa.
A instituição irá incorporar essa nova
proposta (integração de gerações)
às atividades que já realiza. "Para nós
o produto final, seja um vídeo ou uma peça de
teatro, não é o mais importante, mas sim o processo
criado", aposta José Carlos.
O SESC Consolação, na região central
de São Paulo, por exemplo, já desenvolveu três
projetos intergeracionais. A novidade foi o projeto "Coletor
de Imagens", que se propôs a conhecer a história
do bairro da Vila Buarque e região, a partir da vida
dos moradores, trabalhadores e freqüentadores do local.
Durante três meses, cerca de 40 jovens e idosos participaram
conjuntamente de oficinas de vídeo, tratamento de imagens
e performance urbana para a produção de um documentário
de 26 minutos. O produto traz imagens da região, uma
intervenção urbana feita pelo grupo na rua,
além de entrevistas coletadas com pessoas do bairro.
"Houve um crescimento pessoal e mútuo dos participantes.
Muitos nunca tinham pensado, por exemplo, em intervir com
pessoas na rua ou até mexer numa câmera de vídeo",
ressalta Mariza Nakaozi, coordenadora dos projetos da Terceira
Idade do SESC Consolação. Para Laurieta Galvina
Gomes, 70 anos, participar das oficinas de vídeo e
de performance foi uma experiência nova e de aprendizado,
apesar de já freqüentar as aulas de teatro há
quatro anos. "Foi tudo muito divertido, alegre, para
frente. Fazer as atividades com os jovens é muito bom
porque eles aprendem e a gente se renova. Pena que quando
jovem não pude estudar para isso. Adoro teatro",
diz Laurieta.
Mariza explica que o projeto, finalizado no início
deste mês, está sendo revisto para aprimorar
essa relação entre gerações. "Este
é um processo que não dá para incorporar
rapidamente. O mais importante é que os participantes
incorporem esse novo olhar sobre as gerações
realmente na sua vida".
DANEILE PRÓSPERO
do site setor 3
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